quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

2011

Se vamos ao seu encontro é porque ele já está lá, à nossa espera.
Caso consigamos alcançá-lo.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

CHARLES KIEFER, SOBRE CERTA DOR



Dores esporádicas todos têm.
...
Dores psicológicas todos têm.
...
Mas há um tipo de dor que nem todos têm, felizmente. Alguns, premiados pela Moira, por Deus, pelo Acaso, a conhecem profundamente, com ela convivem todos os dias, sem domingos nem feriados. São as dores crônicas. Não são poucas as doenças a produzi-las. O reumatismo, por exemplo, é capaz de gerar mais de 300 quadros diferentes. O que se sabe é que é uma doença autoimune, gerada pelo próprio sistema imunológico. O organismo se defende tanto, produz tantos anticorpos que acaba por produzir dores terríveis, deformações internas e externas e sintomas desesperadores.
Meu avô Bernardo, para aliviar-se das dores reumáticas, em pleno inverno, mergulhava num rio gelado. Às vezes, sentado à margem do Marangueira, vendo-o banhar-se naquelas águas enregelantes, eu o imaginava louco. Noutros momentos, no meio de uma partida de canastra, eu via o seu rosto contrair-se. Então, por alguns minutos, seu olhar se perdia, vagava pela superfície das coisas. Eu não compreendia, mas percebia em seu olhar uma dor gigantesca e uma tristeza arrasadora. Muitos anos depois de sua morte, Regina, minha avó, contou-me que à noite, na cama, ele chorava baixinho.

A imagem daquele homem de quase dois metros de altura, capaz de carregar impressionantes partidas de tijolos (era oleiro), enrodilhado em si mesmo sob as cobertas e a chorar não saiu jamais da minha cabeça.

Levei 39 anos para entendê-lo. Um dia, uma dor insuportável atingiu meu pé esquerdo. Em poucas semanas, espalhou-se pelo corpo todo. Ao acordar, sentia-me congelado. O mínimo movimento produzia rajadas coloridas e multifacetadas da mais pura e concentrada dor. Uma radiografia de corpo inteiro revelou inúmeros pontos de inflamações nas juntas e nas articulações. Há 13 anos, arrasto-me pelos dias e pelas noites auxiliado por medicações, fisioterapia e massagens. Já tentei o espiritismo, a Virgem de Guadalupe, os chás e as simpatias. As dores crônicas são como as marés, batem com violência nas praias do corpo e depois se afastam por alguns segundos, para voltar outra vez. Sei que não terão fim. Tenho encontrado certo alívio no budismo, que afirma que tudo é ilusão, inclusive a realidade. Digo a mim mesmo que não existo, que sou hipocondríaco, que sou vil, desprezível, que devia suportar tudo com estoicismo, sem reclamar.

A dor maior talvez seja outra: a de compreender que somos mônadas, como disse Leibniz, e que estamos todos absolutamente fechados em nossas próprias prisões, à espera do dia em que a Morte venha nos libertar.



Charles Kiefer, em seu recente livro, "Para ser escritor", publicado pela Leya. Mas poderia ser um inédito de Carlos Barbosa. À exceção do budismo, que não adoto, e do avô Bernardo que não tive, eu poderia muito bem ter escrito (tirante o mérito do estilo, atendo-me apenas à verdade ali contida) o capítulo "As dores, a dor", de onde extraí o texto acima.

Imagem: Bol imagens.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

NATAL ENFIM

DEIXO AQUI MEU ABRAÇO A TODOS OS LEITORES E AMIGOS.
UM ABRAÇO EXTENSO COMO UM ROMANCE.
INTENSO COMO UM POEMA.
E PERMANENTE COMO O AMOR.
DEIXO TAMBÉM MEU DESEJO DE BELEZA PARA TODOS.
DOS MAIS DUROS AOS MAIS LEVES MOMENTOS,
QUE POSSAMOS TODOS IR AO ENCONTRO DA AMIZADE.
E RETORNAR AMPLIADOS EM GRAÇA E GENEROSIDADE.
PORQUE É NATAL NA TERRA DOS HOMENS.

domingo, 19 de dezembro de 2010

MILENA BRITTO ESCREVE

Na edição de sábado, 18.12, o caderno 2+ de A Tarde publicou artigo de Milena Britto, "Um presente descolado...", com dicas de livros para presentes de Natal e de todos os momentos. Meu "A segunda sombra", livro de minicontos publicado pelo selo Três por Quatro, da editora carioca Multifoco, foi um dos livros citados no artigo:

"A segunda sombra, de Carlos Barbosa, é outro excelente para todas as idades, dos jovens que se reconhecem pela escrita curta e rápida de internet aos que veem a literatura como parte de um tempo, de uma época. É interessante os minicontos de narrativa precisa, com linguagem precisa e ritmo bem urbano."

domingo, 12 de dezembro de 2010

O LIVRO DE SAN MICHELE


Acabo de ler "O livro de San Michele", de Axel Munthe, o médico sueco formado em Paris, que atendeu a nobreza e a pobreza europeias do seu tempo, que amava e cuidava de animais, admirador da música de Schubert, que teve uma vida aventuresca de quase um século. E que em Anacapri, aos dezoito anos, topou com seu projeto de vida: a construção de uma casa com os escombros do antigo castelo do imperador Tibério. Dr. Munthe viveu seu sonho, o que o faz distante da mediocridade da vida comum.

"Não há nada para esquecer a própria miséria como escrever um livro; nada melhor também quando não se pode dormir", ensina Munthe em um dos prefácios do livro.

"O livro de San Michele" é uma autobiografia. Mas pode ser lido como um romance, pois o leitor sente a verdade pulsar em suas páginas. Munthe não esconde suas fraquezas, os episódios de ira, os erros cometidos como homem e como médico, até mesmo conta delitos cometidos ao longo da vida. Não fala de seus amores carnais, solteirão que foi. Mas conta de beijos roubados a monjas, em pleno claustro, ao pé do leito de outras monjas adoentadas, e se julga, ao final, na voz de um acusador em seu julgamento no céu, como um libidinoso.

Trouxe o exemplar de "O livro de San Michele" (Ed. Globo, 1979, 14a edição) da viagem a Cachoeira, na segunda-feira passada, descoberto que foi por Ruy Espinheira Filho, um admirador da obra, em um sebo-café da cidade. Agora que o li, espero pelo poema que Ruy escreveu após visitar recentemente San Michele, em Anacapri, em águas italianas.

"Tive a audácia de escrever que não tinha medo da cólera nem da morte. Menti. Desde o começo até o fim ambas me causaram um medo horrível. Descrevi na primeira carta como, meio asfixiado pelo ácido fênico no trem vazio, desci de noite na Piazza deserta, como cruzei na rua longas filas de carros e ônibus cheios de cadáveres a caminho do cemitério da cólera; e como passei toda a noite junto dos moribundos nos miseráveis bairros baixos. Mas calei-me sobre o que fiz duas horas depois da chegada; como voltei à estação, me informei ansiosamente do primeiro trem para Roma, a Calábria, os Abruzzos, fosse para onde fosse, quanto mais longe melhor, simplesmente para sair daquele inferno." Aqui, Munthe narra suas atribulações como médico voluntário durante a epidemia de cólera em Nápoles, referindo-se a seu livro "Cartas de Nápoles", em um dos capítulos mais poderosos de "O livro de San Michele", tido por muitos como "o livro da vida" e por outros tantos como "o livro da morte".



Foto: Bol Imagens

domingo, 5 de dezembro de 2010

TERRITÓRIOS DA FICÇÃO EM CACHOEIRA

Estarei nesta segunda-feira, 06.12, ao lado de Ruy Espinheira Filho, em Cachoeira, na UFRB, participando do seminário "Territórios da ficção - memória e política", organizado pelo escritor e professor Carlos Ribeiro.

Lá, conhecerei o trabalho de Tiago Santos Sant'Ana, estudante de Comunicação Social, sobre "Beira de rio, correnteza". E falarei sobre a gênese do romance. Estou certo de que será uma ótima experiência.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

AO PAI

  1. Pai nosso
  2. que estais no céu
  3. Santificado seja vosso nome
  4. Venha a nós o vosso reino
  5. Seja feita a vossa vontade
  6. assim na terra como no céu (de todos os mundos)
  7. O pão nosso de cada dia
  8. nos dai hoje (e sempre)
  9. Perdoai as nossas ofensas
  10. assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido
  11. Não nos deixei cair em tentação
  12. e livrai-nos do mal
  13. pois vosso é o reino e a glória para todo o sempre
  14. Amém

domingo, 28 de novembro de 2010

HOSPITAL PÚBLICO

KC tem 22 anos. E como toda moça tem um celular bacana. Ou tinha, não sei. É que KC levou três tiros nas costas por causa do celular. Duas balas estão, ainda, alojadas em sua coluna. E faz mais de duas semanas que KC está numa cama de um hospital público em Salvador, na fila por uma cirurgia.

A mãe de KC é minha conhecida. Tenho-a visitado e ajudado como posso. Ela me diz que KC não sente as pernas. Mas que as balas queimam por dentro. E que ela sente muita dor na hora do banho.

KC não consegue dormir. Nem mesmo com remédios. Qualquer barulho a assusta. Não deixa a mãe se afastar da cama. A mãe dorme no chão, ao lado da cama. Outras mães fazem o mesmo que ela.

O fato de haver outras pessoas na mesma situação não constitui desculpa para o Estado. Uma cidadã apenas, nesta situação, já deporia contra a atuação do Estado na área da saúde. E há muitas.

Estive no Hospital na sexta-feira à tarde. Justo quando um comboio da polícia trazia feridos em conflito na avenida Bonocô. Deu nos jornais a bagaceira. São as tais emergências que adiam a cirurgia de KC.

E assim continuam lá no Hospital, KC e sua mãe, aguardando um momento de calmaria nos conflitos da cidade, para que a fila ande. E que as balas sejam retiradas da coluna de KC.

O horror, o horror, o horror é aqui.

Irei lá amanhã, de novo. Até quando, não sei.

*************

Estive no Hospital hoje, segunda-feira. KC saiu da "emergência" para a enfermaria. A mãe está esperançosa. Isso representa muito. O que dizer?

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O NAVIO BRANCO


"O navio branco" tocou meu coração profundamente. Começa por ter um protagonista criança; e um coprotagonista idoso. Neto e avô. Pureza e fragilidade. Dois estágios da condição humana que se situam ao largo da arrogância e prepotência dos adultos competidores. O menino não tem nome, não tem pai nem mãe, dele cuida o avô, Momun o Solícito. E as outras pessoas do "cordão", distrito, são expressão da violência, embriaguez, mesquinharia e egoísmo, coisas típicas de gente grande e sabida. No império do materialismo histórico, Momun repassa ao neto a história do povo "bugu", das montanhas da antiga Quirquízia, por meio da lenda da grande Mãe Cerva-Galhuda. Pessoas assim sofrem muito neste mundo, território privilegiado do poder humano. O menino usa o binóculo do avô para trazer o mundo distante ao toque dos seus dedos. Um mundo inalcançável, na verdade, como o navio branco no mar. E tudo o mais à sua volta se prepara em horror e dor. Um história pungente, de tirar lágrimas do leitor.

Publicado em 1967, "O navio branco", de Tchinguiz Aitmátov, foi um sucesso editorial, recebendo críticas negativas da oficialidade soviética. Ali estava a tradição oral do povo quirquiz, algo a se eliminar, como o sonho, a sensibilidade, a humanidade, a liberdade. Em 1976, o filme baseado no livro foi considerado o melhor do ano na URSS. Li o exemplar que me foi emprestado por Ruy Espinheira Filho, edição de 1991, da Editora Brasiliense.

Assim começa a narrativa:

"Ele tinha duas histórias. Uma, a sua, que ninguém conhecia. A outra, a que o avô contava. Depois não restou nenhuma. É disto que vamos falar.
Naquele ano ele completara sete anos, estava na casa dos oito.
Para começar, compraram uma pasta. Uma pasta preta de couro artificial, com fechadura e trinco de metal brilhante que engatava numa fivela. Com um bolsinho por fora para moedas. Numa palavra, uma incomum pasta escolar das mais comuns. Parece que foi aí que tudo começou."

O resto é um rol de maravilhas.

domingo, 21 de novembro de 2010

TODOS OS HOMENS SÃO MENTIROSOS

Sob a superfície do que somos capazes de expressar em palavras, jaz essa massa do indizível profundíssima e escura, um oceano sem luz onde nadam criaturas cegas e inimagináveis.


Uma frase do romance "Todos os homens são mentirosos", de Alberto Manguel, escritor nascido argentino, naturalizado canadense e que mora no interior da França (Companhia das Letras, 2010, 177 pgs.). Narrativa fragmentária que procura reconstruir a biografia de um obscuro e genial escritor argentino exilado em Espanha, A. Bevilacqua, que jamais escreveu um livro e que, no entanto, publicou a obra definitiva, "Elogio da mentira". Só por curiosidade, a segunda parte, depoimento da última companheira do escritor, inicia com a seguinte frase: "Alberto Manguel é um imbecil." É que Manguel é o primeiro narrador desse excelente romance.


Imagem: Bol Fotos.

domingo, 24 de outubro de 2010

DESERTO DIAMANTINO


Este aí é o poeta galego Xavier Rodríguez Baixeras, que tem passado os últimos verões aqui na Bahia e frequentado o almoço das quintas-feiras no restaurante do Edinho, no Ceasa do Rio Vermelho. No "Contosempre", meu blogue desativado, postei um belíssímo poema do seu livro "O pan da tarde".
O Baixeras tornou-se um profundo conhecedor do Rio Vermelho, onde sempre fixa moradia, e admirador da obra de Herberto Sales. Visitou Andaraí e a Chapada Diamantina. Escreveu o livro de poemas "Deserto Diamantino", que venceu o VIII Premio Caixanova 2009.
Tive a alegria de receber hoje um exemplar de "Deserto Diamantino". Estou lutando com as sutilezas da língua galega e aos poucos alcançando a grandeza dos poemas diamantinos do Baixeras.
Deixo aqui as estrofes finais do primeiro poema, "Regalía" (sesmaria):
"Estou aqui, perplexo, contemplando
o tempo retorcendóse aos meus pés
e acomodo ao que fun o seu revés
de cabalgada, e ando
grandes leguas colmadas de demora
e vou tomando a pose desta herdade
serodia como a vida e xa saudade,
calor que me devora."

terça-feira, 12 de outubro de 2010

O REI BRANCO


Grandioso. Relatos sobre a violência da opressão. De como essa violência se reproduz em todos os níveis sociais. De como cada pessoa se apropria do direito/dever de inflingir violência no mais próximo. De como tudo que é digno se torna distante da vida real, prenhe de dedos-duros. De como a miséria se apossa dos dentes e unhas e se faz desespero. De como a vida pode ser tormentosa, patética, absurda. De como a realidade forjada serve apenas ao discurso de quem se refestela nos altos cargos, apertando suas manoplas sobre os mais fracos. De como os imbecis se reunem para controlar um povo e se regurgitam na própria obtusidade. De como o cotidiano se mostra mais cruel que no Velho Oeste, pois contido em frases obrigatórias, em regulamentos pérfidos, em burocracia histriônica e inoperante. De como ser criança é habitar um estado permanente de carência e dor. De como a humanidade resiste apenas naqueles decaídos, marginalizados pelo "estado', nos ditos traidores da pátria (PORQUE PENSAM DIFERENTE OU PORQUE APENAS DESEJAM UM POUCO DE LIBERDADE E AMOR). De como o amor pode se tornar algo pérfido e afastado. De como se vive num estado totalitário. Um mundo sem calor paterno, sem paz, somente o culto ao Grande Pai. Um mundo de ódio canalizado para destruir tudo que possa ser rotulado de humano. Um mundo gélido, imundo e horroroso. Um mundo sem asas.

E ainda há quem queira construir regimes desse tipo. Talvez por isso odeiem os escritores, gente como György Dragomán, capaz de revelar as grandes verdades da vida. Sim, pois a verdade, penso eu, reside somente na literatura. O resto é conversa pra conduzir rebanho ao matadouro.

Leiam o premiado "O rei branco", do escritor húngaro György Dragomán, publicado pela Intrínseca, em 2009, em tradução de Paulo Schiller. E verão, e saberão.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

UM ANIMAL DE LUZ ENCURRALADO


Primeiro, quero dizer que o efeito produzido pela poesia do chileno afeta fisicamente seus interlocutores. Provoca a sensação de estar embriagados num licor sibilino, na monotonia de cascavel com que arrasta sua voz, nas pestanas longínquas e pupilas hipnotizadoras. Se a pseudopoesia de vanguarda é aquela em que o poeta sai correndo na frente, a verdadeira poesia de vanguarda é aquela em que o poeta faz os outros correrem na frente.



In "Neruda por Skármeta", de Antonio Skármeta, Record, 2005

sábado, 25 de setembro de 2010

RESENHA DE "A SEGUNDA SOMBRA" EM A TARDE DE HOJE

O jornal A Tarde, em sua edição deste sábado, 25.09, publicou na página 6 do Caderno 2+, a resenha escrita pelo jornalista e escritor Elieser Cesar sobre meu livro de minicontos "A segunda sombra". Elieser Cesar é autor, entre outros, do livro de contos "A garota do outdoor" (Selo Letras da Bahia, 2006). Abaixo, um trecho da resenha:

"Com o poder de síntese e a linguagem precisa, às vezes dura, outras poética, desta vez Carlos Barbosa traz à tona 80 minicontos no livro A Segunda Sombra (3x4–microficções – Editora Multifoco/RJ, 2010). Flashes da vida, já que insinua muito mais do que conta uma história, seja em momentos de revelação ou de situação-limite, ponta de um iceberg submerso na consciência do leitor, convidado a reconstruir o que leu, o miniconto é também a sombra de um conto, caso se possa admitir que o conto é, por sua vez, a silhueta de um romance.

Se o bom conto é aquele em que a história fica em aberto, o miniconto soa com uma fímbria de luz em um quarto escuro, luz que não clareia, mas convida à claridade exterior. Este subgênero do conto, minimalista, agora em moda e, ao mesmo tempo, a apontar para um difícil poder de concisão – como o axioma – e uma certa indolência criativa (algo como a pressa de terminar o que ainda poderia ser esticado, já que tratamos, aqui, de sugestões de histórias), tem o efeito de perturbar o leitor e tirá-lo de seu comodismo habitual. O miniconto jamais responde. Indaga e levanta suspeitas. Porta aberta para a imaginação, o miniconto, portanto, comporta diferentes interpretações, ao gosto do leitor.

[...]

Sombra luminosa do conto, o miniconto tem em Carlos Barbosa um esgrimista hábil de histórias portáteis."


domingo, 12 de setembro de 2010

80 MINICONTOS EM "A SEGUNDA SOMBRA"


Minha mãe teve filhos de 4 em 4 anos. Imagino o malabarismo que enfrentou naquele tempo para controlar o processo, ela que teve nove irmãos que vingaram.

Mera curiosidade, tenho publicado livros de 4 em 4 anos: "Água de cacimba", em 1998, "A dama do Velho Chico", em 2002, "Matalotagem", em 2006, e agora em 2010 os gêmeos bivitelinos "Beira de rio, correnteza" e "A segunda sombra". Espero não demorar mais 4 anos para publicar outro livro.

Aqui vai um aperitivo de "A segunda sombra", que será lançado no dia 18.09, a partir das 10h (até umas 14h), na livraria LDM, centro de Salvador:

EMBRIAGUEZ AMOROSA

Diante do abismo, recuo um passo. E me ajoelho, trêmulo. A outra margem torna-se um tênue aceno; o abismo, tudo. No profundo rio que o preenche, mergulho meu mais doce pensamento. Que por lá fica a voltear, feito isca insípida e imprópria. Não há retorno para ele nem para meus passos. Tomado pelo abismo, finco minha morada no barro da borda. À espreita, não sonho pontes nem aspiro pela outra margem. Apenas domo o desejo enquanto lapido a coragem para o inevitável salto.



quinta-feira, 9 de setembro de 2010

"A SEGUNDA SOMBRA" NA LDM, DIA 18.09


"Faz alguns anos que acompanho os escritos curtos de Carlos Barbosa, mas só hoje constato como tudo virou uma espécie de mania, hábito renovado a cada visita aos seus antigos blogues. Uma das coisas mais admiráveis na sua arte, sucinta ou caudalosa, é a sonoridade poética que ele enxerta nas entranhas da prosa, cadência harmoniosa que faz flutuar tudo ao redor: cidadãos que assistem a vida da janela, casas de cumeeira, veículos que passam pelas avenidas.

Nos minicontos, Carlos deflagra uma síndrome de Estocolmo literária. Sem alternativa, o leitor sequestrado pelas primeiras tramas - algumas radicalmente curtas e, por isso mesmo, desconcertantes - se vê impelido a virar página após página sem conceber o que o aguarda: tomado pela mão, torna-se um feliz cúmplice da narrativa barbosiana. Preciosidades como "Boca", "A primeira bola", "Silêncios", "Cães na laje quente" ou ainda os dilemas vividos por "J. o herói do sertão" fazem de nós afortunados coautores involuntários, bem-aventurados pagadores do próprio resgate. Ao final de cada fragmento de "A segunda sombra", nos tornamos todos seriais. Somos capazes de tudo para ler uma nova história e nos flagramos cada vez mais insaciáveis."

O contista Tom Correia escreveu o texto acima para as orelhas de "A segunda sombra". Registro aqui o meu mais forte agradecimento ao Tom, um dos mais importantes prosadores baianos da contemporaneidade. Em breve teremos o seu livro de contos "Sob um céu de gris profundo".

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

DIA18 NA LDM



Está chegando a hora do livro de minicontos. O lançamento de "A segunda sombra" será no dia 18 de setembro, sábado, a partir das 10h, na livraria LDM, na rua Direita da Piedade, 20, centro de Salvador.

São mais de 80 narrativas curtas e curtíssimas que reuni em livro a pedido do escritor e editor Wilson Gorj, para publicação pelo Selo 3x4-microficções, da editora Multifoco, do Rio de Janeiro. Parte das narrativas foi publicada em meus blogues anteriores.

Agendem uma passada na LDM, na manhã de sábado, dia 18 de setembro. Estarei lá à espera de todos.

sábado, 28 de agosto de 2010

MINHA HISTÓRIA DA FONTE NOVA

Fui fiscal de portaria na Fonte Nova. Em jogos noturnos, chegava pelas 17h e saía uma hora depois de o jogo acabar. Em jogos diurnos, chegava às 11h e saía de noite. Gastava o que ganhava no almoço ou no lanche. Somente em Ba x Vi sobrava dinheiro bom, pois faturava proporcionalmente à renda da partida.

Da reunião inicial a gente saía para o portão escalado. De prancheta na mão, anotava a numeração das catracas, o que faria novamente após o fechamento do portão. O borderô era responsabilidade do fiscal. E entre uma coisa e outra, a gente ficava de olho na atividade da portaria para evitar que os ingressos voltassem inteiros para a mão dos cambistas, motivo maior da evasão de renda no estádio.

Em minha primeira noite de trabalho, disseram pra mim: - Vá ver o jogo, rapaz. - Eu, não! Tô fazendo meu trabalho. - Vá ver o jogo, rapaz. É melhor pra você. - Eu, não!, respondi, já invocado. Mas quem me dizia aquilo tinha o dobro do meu tamanho e da minha largura e da minha idade (eu tinha 17 anos), e uma carantonha assustadora.

Meu colega de fiscalização me puxou pelo braço: - Vem cá, bicho! Vamo dar uma voltinha. E me explicou que era melhor eu ir mesmo assistir a partida. Repetiu a explicação até eu murchar. - E você, vai ver também?, quis saber do colega. - Eu, não. Vou dormir na enfermaria. E me deixou lá plantado no deserto de cimento.

Aprendi ali que o mundo donde vinha não era real. Que a cidade grande funcionava diverso e que cheirava mal. Não fiquei fiscal da Fonte Nova por muito tempo, não tinha estômago praquilo.

Naquela primeira noite de fiscal da Fonte Nova preparei direitinho o borderô e vi o incrível Atlético de Alagoinhas jogar com Merica e Dendê no meio-de-campo.

Viria depois Osni entortar Roberto Rebouças do círculo central até a grande área, a estreia do magricela Bebeto, Beijoca rasgar o tempo até as redes, Edu Coimbra fazer um golaço com a camisa do meu Vasco, uma estranha e eficiente jogada do Vitória: Andrada batia forte o tiro de meta, Fischer escorava de cabeça na intermediária adversária e o centroavante do momento botava lá dentro.

Mais pra frente o futebol acabou.

Implodiram a Fonte Nova instantes atrás. Mas "memória não morre".



Imagem: Bol Fotos

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

RAMPA DE LANÇAMENTO


A rosa e as orquídeas. E uma flor sensitiva. Um livro estranho de tão belo. Eu quero mais.




Imagem by Victor Seabra

quinta-feira, 19 de agosto de 2010



Teremos enfim os livros de poemas de Ângela Vilma e Mônica Menezes, na próxima terça-feira, dia 24 de agosto, na livraria Tom do Saber.

"Poemas para Antônio", de Ângela, e "Estranhamentos", de Mônica, passam a integrar a coleção "Cartas Bahianas", editada pela P55, aos cuidados do Claudius Portugal.

"Estranhamentos" é o primeiro título pubicado por Mônica Menezes, que mantém na web um blogue com o mesmo título. O livro de Ângela Vilma deve ser o oitavo ou nono título da autora, entre prosa, poesia e ensaios, que escreve na web no "Aeronauta".

Aprecio muito o trabalho das duas poetas. De Ângela, guardo carinho, admiração e amizade; de Mônica, revolvo uma amor imenso, cercado também por muito carinho, parceria e admiração - e mais indizíveis coisas.

sábado, 14 de agosto de 2010

2666 HOJE


Leio na Folha On Line que um novo serviço desabrocha em Ciudad Juarez, cidade que inspirou Bolaño na criação da sangrenta cidade-cenário do romance 2666. Trata-se da limpeza de cenas de crime. As empresas prestadoras de serviço de limpeza para outras empresas e para domicílios estão sendo cada vez mais procuradas para limpar a sujeira deixada por corpos crivados de balas. Feita a perícia, recolhidos os corpos, ficam para trás poças de sangue e restos de vísceras e de massa encefálica grudados no chão, paredes e até em tetos. Esse tipo de limpeza tem custado de U$ 200 a U$ 300. E tem deixado para trás, também, uma leva de funcionários traumatizados com o que veem e com o que têm que fazer em quartos de motel, de hotel e até mesmo em residências. Andrés, de 17 anos, demitiu-se de um lava-jato no dia em que teve que limpar o interior de um carro onde foram assassinadas três pessoas. Tudo precisa ficar limpo para ser utilizado no dia seguinte, dizem por lá. Ciudad Juarez, onde 2666 acontece todo dia.



Imagem: Bol fotos

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

CARTAS DE FLAUBERT


"É estranho como eu nasci com pouca fé na felicidade. Eu tive, muito jovem, um pressentimento completo da vida. Era como um odor nauseabundo de cozinha que escapa por um respiradouro. Não é preciso ter comido para saber que vai nos fazer vomitar. Eu não me queixo disso, aliás; minhas últimas infelicidades me deixaram triste, mas não me surpreenderam. Sem perder nada da sensação, eu as analisei como artista. Se eu tivesse esperado coisas melhores da vida, eu a teria amaldiçoado; algo que não fiz.
[...]
Estou me tornando um artista com uma dificuldade que me desola; vou acabar sem escrever uma só linha. Creio que poderei fazer coisas boas; mas me pergunto sempre, para quê? O mais esquisito é que não me sinto desencorajado; eu me compenetro, ao contrário, mais do que nunca, da ideia pura, no infinito. É o que aspiro, o que me atrai; estou me tornando brâmane, ou talvez apenas um pouco louco. Duvido muito que eu componha alguma coisa nesse verão."

Trechos da carta de G. Flaubert a Maxime du Camp, datada de 7 de abril de 1846. Estou lendo, enfim, "Cartas exemplares", publicado pela Imago, em 1993, com tradução de Duda Machado. Adiante, publicarei trechos de cartas de um Flaubert mais amadurecido. Esta carta faz parte do primeiro bloco, intitulado "Infância - Os anos do aprendizado". Espantoso é constatar que, aos 9 anos de idade, Flaubert já escrevia a um amigo: "Eu vou lhe enviar também minhas comédias. Se você quiser que nos associemos para escrever, eu escreverei comédia e você seus sonhos, e como há uma senhora que vem em casa de papai e que nos conta sempre besteiras, eu vou escrevê-las."



Imagem: Bol fotos

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

domingo, 1 de agosto de 2010

CHÁ DAS CINCO COM O VAMPIRO


O próprio Miguel Sanches Neto tem lastimado o fato de o livro ter provocado mais notícias que crítica. O que equivale dizer mais polêmica que leitura. Li o "Chá das cinco..." porque tenho lido tudo que posso do MSN desde o magistral "Chove sobre minha infância". Sou um leitor ávido por bons livros, e como leitor digo que "Chá das cinco..." é um romance de leitura necessária. Sob o pretexto de narrar a vida de um escritor iniciante, que se torna também crítico literário, MSN expõe o que viceja no meio literário, revelado em resenha no "Rascunho" por Maurício Mello Junior numa palavra: vaidade.

O trânsito do narrador, de uma cidade interiorana à capital Curitiba, em busca de leituras e de uma escrita poderosas, leva-o a conhecer grandes escritores curitibanos e com eles conviver. O que poderia ser enriquecedor não tarda a se tornar um tormento para ele. Dizem que MSN revela particularidades incômodas para Dalton Trevisan. Não concordo: a narrativa pareceu-me mais gratificante ao "Vampiro" que outra coisa. Não serão poucos os que procurarão os livros de Trevisan para ver se lá identificam as idiossincrasias do Trentini da obra. Quem tem comportamento e obra expostos com toques de um realismo cruel é um certo Valério Chaves, que suspeito quem seja. Mas deixo para cada um concluir sobre sua identidade, o que, na verdade, não será tarefa difícil.

Afora o aspecto mundano da narrativa, "Chá das cinco..." tem todas as qualidades de um bom romance contemporâneo. E resulta em leitura agradável, pois não deixa de ser cômico o engenho da vaidade, e instrutiva, para quem se arrisca no mundo das letras.

O Miguel Sanches Neto criou um blogue para abrigar o que se tem escrito sobre o livro. Recomendo uma visita a "http://chadascincocomovampiro.blogspot.com".

sexta-feira, 30 de julho de 2010

ENCHENTE




Martha Galrão, do blogue "Maria Muadié", descobriu lá no desativado "miniconto.zip.net" um texto meu de muitos anos, nem sei mais quantos. Sei apenas que o texto brotou de episódio materno por ocasião da grande cheia do rio São Francisco, de 1979, que fez milhares de desabrigados em Ibotirama e botou minha mãe de viagem para a roça, tão logo a água apontou num dos cantos da praça Deraldino Lino de Souza.

Agora, Martha me diz em comentário no post abaixo que lê o texto como poema. Eu me referira a ele como miniconto. Sim, nasceu como poema, poema andou por aí, poema viverá para muitos; e será publicado em "A segunda sombra" como miniconto. Mas que importa o rótulo? Importa que o texto provoque qualquer coisa de estimulante no leitor. E o leitor, então, o adotará como de sua predileção, o que muito deixa feliz o autor. Grato pela leitura, Martha.

Trago o assunto porque "A enchente" sofreu alterações ao longo do tempo, que resultaram na forma final intitulada "Enchente":

"O rio venceu o cais, invadiu a praça, subiu os degraus da igreja.
Minha mãe, protegida e a seco, foi lá ver:

- Que tragédia, meu Deus! Mas como é bonito!
"

Assim é, assim será.



Imagem: www.flickr.com, por Mááh

segunda-feira, 26 de julho de 2010

NUVEM DE SEDA



Paira sobre mim uma nuvem de seda. Parte dela enrosca-se em meu corpo, a tremeluzir. E muito mais de nuvem se espalha em meus olhos, em minhas mãos. Montes de seda rósea, frementes, evoluem vagarosos quanto toco seus cumes. E outros volumes sedosos se roçam e drapejam, feito estandartes de clãs japoneses em filme de Kurosawa. Um festival de cores macias, suculentas e ariscas. Pressinto raios e trovões em seu bojo, nas densidades mais rubras e violáceas dessa nuvem. O que de mim resta lúcido escorrega por dentro dela, para chover junto e profundo, como se o mundo todo fosse um imenso casulo.



Imagem: www.flickr.com, por Jaci XII

sábado, 24 de julho de 2010

LANÇAMENTO EM BREVE


Com lançamento previsto para setembro, aí está a capa do meu livro de minicontos, "A segunda sombra", que sairá pelo selo "três por quatro", da Editora Multifoco, do Rio de Janeiro. O livro é filhote dos meus blogues anteriores, "minicontos.zip.net" e "contosempre.zip.net", e fruto de um convite do escritor e editor Wilson Gorj, paulista de Aparecida do Norte, posto à frente do selo de micronarrativas.

O texto da orelha é de autoria do contista Tom Correia, a quem agradeço aqui a gentileza. E a belíssima capa é de Guilherme Peres, responsável pelo projeto gráfico do livro.

Visitem o blogue da "três por quatro" no site da editora, no endereço: http://www.editoramultifoco.com.br/tresporquatro.

E aguardem o convite para o lançamento em, s.D.q., um sábado pela manhã na LDM.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

2666



2666 matou Bolaño. E quase me matou também. Tive que ler sentado à mesa, durante um período excessivo e inédito para mim. Saí da leitura alquebrado e dolorido. Mas valeu a pena. A edição que li não foi, obviamente, a da foto acima, mas parecia igualmente carregar todo o peso do mundo. Cinco livros enfeixados em um, quase 900 páginas, um tempo que atravessa quase todo século passado. Tudo que um grande romance deve ser, 2666 é. E isso parece-me suficiente.
Bolaño deixou recomendação para que os cinco livros fossem publicados individualmente. Os editores fizeram diferente, e fizeram bem. "A parte de Fate" não teria o valor que tem se publicado isoladamente, por exemplo. "A parte de Amalfitano, também", e assim por diante até o fim. Parece que a motivação principal de Bolaño seria financeira etc.
Prefiro deixar aqui um trecho:
"Que triste paradoxo, pensou Amalfitano. Nem mais os farmacêuticos ilustrados se atrevem a grandes obras, imperfeitas, torrenciais, as que abrem caminho no desconhecido. Escolhem os exercícios perfeitos dos grandes mestres. Ou o que dá na mesma: querem ver os grandes mestres em sessões de treino de esgrima, mas não querem saber dos combates de verdade, nos quais os grandes mestres lutam contra aquilo, esse aquilo que atemoriza a todos nós, esse aquilo que acovarda e põe na defensiva, e há sangue e ferimentos e fetidez."
Admiro as novelas dos grandes mestres, mas meu caro Bolaño, adorei mergulhar no imenso universo de horror e tédio do seu grande combate, aquele que o exauriu, 2666. Parece que o protagonista preferia também os grandes combates, esses em que havia "sangue e ferimentos e fetidez". Afinal, foram mais de 200 mulheres assassinadas...


Imagem: www.flickr.com, por Alice E. Oreilly

quarta-feira, 21 de julho de 2010

RETORNEAR


E cá estamos de volta à blogueria. Senti falta, não senti falta, dizem-me que fiz falta. Ainda bem que não foi dentro da área nem recebi cartão vermelho.

Quero postar aqui minicontos, trechos de livros que leio e pequenos comentários sobre o que importar, desde que não sejam ligados às campanhas políticas que berram nas ruas e em todo lugar. Creio que deve estar nesse berreiro a causa da otite externa que desenvolvi esta semana.
Cansei do espetáculo canhestro das eleições. Fim.

Meu amor está aqui ao meu lado, enroscada no sofá, e o mundo lá fora pode ter a cor que quiser. Prólogo.

Os próximos posts serão dedicados a 2666, de Bolaño, e a Chá das cinco com o vampiro, do Miguel Sanches Neto. Retornearemos. Abraços a todos.

Ah, como podem ler abaixo, este blogue foi criado ano passado, mas mantive-o inédito desde então. Andei muito ocupado com o preparo de dois livros: o romance Beira de rio, correnteza, lançado em 09 de julho passado, e o de minicontos A segunda sombra, que virá a lume quando setembro chegar.

Imagem: www.flickr.com, por M*