sábado, 28 de agosto de 2010

MINHA HISTÓRIA DA FONTE NOVA

Fui fiscal de portaria na Fonte Nova. Em jogos noturnos, chegava pelas 17h e saía uma hora depois de o jogo acabar. Em jogos diurnos, chegava às 11h e saía de noite. Gastava o que ganhava no almoço ou no lanche. Somente em Ba x Vi sobrava dinheiro bom, pois faturava proporcionalmente à renda da partida.

Da reunião inicial a gente saía para o portão escalado. De prancheta na mão, anotava a numeração das catracas, o que faria novamente após o fechamento do portão. O borderô era responsabilidade do fiscal. E entre uma coisa e outra, a gente ficava de olho na atividade da portaria para evitar que os ingressos voltassem inteiros para a mão dos cambistas, motivo maior da evasão de renda no estádio.

Em minha primeira noite de trabalho, disseram pra mim: - Vá ver o jogo, rapaz. - Eu, não! Tô fazendo meu trabalho. - Vá ver o jogo, rapaz. É melhor pra você. - Eu, não!, respondi, já invocado. Mas quem me dizia aquilo tinha o dobro do meu tamanho e da minha largura e da minha idade (eu tinha 17 anos), e uma carantonha assustadora.

Meu colega de fiscalização me puxou pelo braço: - Vem cá, bicho! Vamo dar uma voltinha. E me explicou que era melhor eu ir mesmo assistir a partida. Repetiu a explicação até eu murchar. - E você, vai ver também?, quis saber do colega. - Eu, não. Vou dormir na enfermaria. E me deixou lá plantado no deserto de cimento.

Aprendi ali que o mundo donde vinha não era real. Que a cidade grande funcionava diverso e que cheirava mal. Não fiquei fiscal da Fonte Nova por muito tempo, não tinha estômago praquilo.

Naquela primeira noite de fiscal da Fonte Nova preparei direitinho o borderô e vi o incrível Atlético de Alagoinhas jogar com Merica e Dendê no meio-de-campo.

Viria depois Osni entortar Roberto Rebouças do círculo central até a grande área, a estreia do magricela Bebeto, Beijoca rasgar o tempo até as redes, Edu Coimbra fazer um golaço com a camisa do meu Vasco, uma estranha e eficiente jogada do Vitória: Andrada batia forte o tiro de meta, Fischer escorava de cabeça na intermediária adversária e o centroavante do momento botava lá dentro.

Mais pra frente o futebol acabou.

Implodiram a Fonte Nova instantes atrás. Mas "memória não morre".



Imagem: Bol Fotos

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

RAMPA DE LANÇAMENTO


A rosa e as orquídeas. E uma flor sensitiva. Um livro estranho de tão belo. Eu quero mais.




Imagem by Victor Seabra

quinta-feira, 19 de agosto de 2010



Teremos enfim os livros de poemas de Ângela Vilma e Mônica Menezes, na próxima terça-feira, dia 24 de agosto, na livraria Tom do Saber.

"Poemas para Antônio", de Ângela, e "Estranhamentos", de Mônica, passam a integrar a coleção "Cartas Bahianas", editada pela P55, aos cuidados do Claudius Portugal.

"Estranhamentos" é o primeiro título pubicado por Mônica Menezes, que mantém na web um blogue com o mesmo título. O livro de Ângela Vilma deve ser o oitavo ou nono título da autora, entre prosa, poesia e ensaios, que escreve na web no "Aeronauta".

Aprecio muito o trabalho das duas poetas. De Ângela, guardo carinho, admiração e amizade; de Mônica, revolvo uma amor imenso, cercado também por muito carinho, parceria e admiração - e mais indizíveis coisas.

sábado, 14 de agosto de 2010

2666 HOJE


Leio na Folha On Line que um novo serviço desabrocha em Ciudad Juarez, cidade que inspirou Bolaño na criação da sangrenta cidade-cenário do romance 2666. Trata-se da limpeza de cenas de crime. As empresas prestadoras de serviço de limpeza para outras empresas e para domicílios estão sendo cada vez mais procuradas para limpar a sujeira deixada por corpos crivados de balas. Feita a perícia, recolhidos os corpos, ficam para trás poças de sangue e restos de vísceras e de massa encefálica grudados no chão, paredes e até em tetos. Esse tipo de limpeza tem custado de U$ 200 a U$ 300. E tem deixado para trás, também, uma leva de funcionários traumatizados com o que veem e com o que têm que fazer em quartos de motel, de hotel e até mesmo em residências. Andrés, de 17 anos, demitiu-se de um lava-jato no dia em que teve que limpar o interior de um carro onde foram assassinadas três pessoas. Tudo precisa ficar limpo para ser utilizado no dia seguinte, dizem por lá. Ciudad Juarez, onde 2666 acontece todo dia.



Imagem: Bol fotos

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

CARTAS DE FLAUBERT


"É estranho como eu nasci com pouca fé na felicidade. Eu tive, muito jovem, um pressentimento completo da vida. Era como um odor nauseabundo de cozinha que escapa por um respiradouro. Não é preciso ter comido para saber que vai nos fazer vomitar. Eu não me queixo disso, aliás; minhas últimas infelicidades me deixaram triste, mas não me surpreenderam. Sem perder nada da sensação, eu as analisei como artista. Se eu tivesse esperado coisas melhores da vida, eu a teria amaldiçoado; algo que não fiz.
[...]
Estou me tornando um artista com uma dificuldade que me desola; vou acabar sem escrever uma só linha. Creio que poderei fazer coisas boas; mas me pergunto sempre, para quê? O mais esquisito é que não me sinto desencorajado; eu me compenetro, ao contrário, mais do que nunca, da ideia pura, no infinito. É o que aspiro, o que me atrai; estou me tornando brâmane, ou talvez apenas um pouco louco. Duvido muito que eu componha alguma coisa nesse verão."

Trechos da carta de G. Flaubert a Maxime du Camp, datada de 7 de abril de 1846. Estou lendo, enfim, "Cartas exemplares", publicado pela Imago, em 1993, com tradução de Duda Machado. Adiante, publicarei trechos de cartas de um Flaubert mais amadurecido. Esta carta faz parte do primeiro bloco, intitulado "Infância - Os anos do aprendizado". Espantoso é constatar que, aos 9 anos de idade, Flaubert já escrevia a um amigo: "Eu vou lhe enviar também minhas comédias. Se você quiser que nos associemos para escrever, eu escreverei comédia e você seus sonhos, e como há uma senhora que vem em casa de papai e que nos conta sempre besteiras, eu vou escrevê-las."



Imagem: Bol fotos

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

domingo, 1 de agosto de 2010

CHÁ DAS CINCO COM O VAMPIRO


O próprio Miguel Sanches Neto tem lastimado o fato de o livro ter provocado mais notícias que crítica. O que equivale dizer mais polêmica que leitura. Li o "Chá das cinco..." porque tenho lido tudo que posso do MSN desde o magistral "Chove sobre minha infância". Sou um leitor ávido por bons livros, e como leitor digo que "Chá das cinco..." é um romance de leitura necessária. Sob o pretexto de narrar a vida de um escritor iniciante, que se torna também crítico literário, MSN expõe o que viceja no meio literário, revelado em resenha no "Rascunho" por Maurício Mello Junior numa palavra: vaidade.

O trânsito do narrador, de uma cidade interiorana à capital Curitiba, em busca de leituras e de uma escrita poderosas, leva-o a conhecer grandes escritores curitibanos e com eles conviver. O que poderia ser enriquecedor não tarda a se tornar um tormento para ele. Dizem que MSN revela particularidades incômodas para Dalton Trevisan. Não concordo: a narrativa pareceu-me mais gratificante ao "Vampiro" que outra coisa. Não serão poucos os que procurarão os livros de Trevisan para ver se lá identificam as idiossincrasias do Trentini da obra. Quem tem comportamento e obra expostos com toques de um realismo cruel é um certo Valério Chaves, que suspeito quem seja. Mas deixo para cada um concluir sobre sua identidade, o que, na verdade, não será tarefa difícil.

Afora o aspecto mundano da narrativa, "Chá das cinco..." tem todas as qualidades de um bom romance contemporâneo. E resulta em leitura agradável, pois não deixa de ser cômico o engenho da vaidade, e instrutiva, para quem se arrisca no mundo das letras.

O Miguel Sanches Neto criou um blogue para abrigar o que se tem escrito sobre o livro. Recomendo uma visita a "http://chadascincocomovampiro.blogspot.com".