quarta-feira, 26 de agosto de 2020

MATEUS ALELUIA, OLORUM




Quem se lembra do grupo musical “Os Tincoãs” e seus grandes sucessos, como Deixa a gira girar e Cordeiro de Nanã, vai entender bem a importância de um novo disco de Mateus Aleluia: é como manter acesa aquela chama de brilho e beleza, que brotava de uma sonoridade adocicada feito cana-de-açúcar do Recôncavo baiano. 

Mateus Aleluia nasceu em Cachoeira, passados 76 anos, e fez parte de “Os Tincoãs”, junto com Heraldo e Dadinho, na sua fase de ouro, quando o Brasil inteiro vibrou com eles nos anos 1970. Durante duas décadas, Aleluia morou em Angola, onde trabalhou para o governo como consultor.

“Olorum” é o terceiro disco autoral de Mateus Aleluia, depois de “Cinco sentidos” (2010) e “Fogueira doce” (2018), e tem produção de Ronaldo Evangelista, com participação especial de João Donato. O lançamento foi feito em uma live, que alcançou mais de 25 mil visualizações.

A canção que dá título ao disco resume à perfeição o espírito e a proposta do artista: um misto de oração de congraçamento em torno da idéia de união do ser humano e da busca incessante por um tempo melhor, a partir de sua ancestralidade africana. “Olorum/ seu povo está cansado/ de sofrer”, canta Aleluia numa abertura em voz e violão, em esforço emocionante de conexão com a divindade, “de joelhos, peço”, enquanto deixa claro que vê em cada ser humano um irmão. O clamor individual da abertura quebra-se, então, em ritmo e pulsação com a entrada dos tambores e demais instrumentos, um balanço nascido nos terreiros de candomblé e se popularizou desde “Os Tincoãs”. Em “Olorum”, o ritmo transporta a emoção da abertura para uma convicção de que a beleza, com certeza, supera todo e qualquer óbice cotidiano. “Olorum” já está disponível no Spotify.

domingo, 2 de agosto de 2020

QUARADOR


estendo esperanças
na laje nua do meu solar
em ruínas

(a chuva não deixa secar)

retorço esperanças
nas manhãs assustadas
de estio

(já começam a mofar)

aqueço esperanças
no poço das noites de insônia
e vigília

(algumas deixo escapar)

repasso esperanças
no crivo confuso por afetos
e ausências

(tecido frio a enrugar)

recolho esperanças
frágeis na rua; ameaças letais
viralizam

(luto pra respirar)

acoito esperanças,
por fim, na loca do meu coração
quarador

(sementes a germinar)


04.06.2020
em isolamento, em tempo de pandemia