sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

PÓS-NATALINA


Ainda não provei de nenhum umbu.
Lá é agreste; quem dá umbu é sertão.
No sertão do Velho Chico chove de enxurrada faz um bom tempo, a safra de umbu atrasou.
Mas continuo firme no propósito de não pagar oito reais por um litro de umbu, aqui na Pituba.

"Viver é aprender a perder", escreveu Antonio Geraldo em seu "As visitas que hoje estamos". Então, tá, sigamos no aprendizado.



imagem: come-se.blogspot.com, via Bol Fotos

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

ENTÃO É NATAL


A gente faz a viagem pra raiz. Um mergulho no tempo, na memória das coisas. Até mesmo das não vividas. 

E acaba por comer demais. A prosa em volta da mesa, na emenda das refeições.

Estou com a família de minha amada, na Colônia 13. Um lugar novo em que já se fala em "já teve", bem Brasil. Vou atrás de umbu na feira.

Minha irmã foi até nossa raiz comum, na beira do Velho Chico. De lá, espero umbus cabeludos das várzeas do rio Paramirim, do Brejinho da Serra Negra, quem sabe? E extrato de pimenta de Barra do Choça.

Pois raiz tem essa qualidade: se ramifica, se espalha, se conecta com outras raízes. E assim nos fincamos mais firmes na instabilidade do terreno da vida.

Estamos, pessoal, na estrada. E isso é muito bom.

Torcemos para que todos os amigos de sangue e do peito mantenham-se firmes na estrada, alongando raízes. Nos bons territórios, claro.

Vamos romperndo chão.

domingo, 22 de dezembro de 2013

SALVADOR, ZONA AZUL (IX)


- Alô, senhor H, do carreto?
- Sim, pode falar.
- Senhor H, estou precisando pegar um fogão na Paulo VI. Um trajeto de menos de um km até aqui em casa. O senhor faz o serviço?
- Faço, sim.
- Pode ser agora de manhã?
- Pode, sim.
- Vou lhe passar o endereço, então.
- Vou precisar levar um ajudante.
- Tá certo. Vou lhe dar...
- Vai sair por 120 reais, o carreto.
- Como? Quanto?
- 120 reais. Vou ter que pagar o ajudante.
- 120?!! 
- É, só pro ajudante vou ter que dar 40 reais.
- Senhor H, é só um fogão de 4 bocas, pequeno. 120 reais é a metade do preço do fogão.
- Esse é o preço do carreto.
- Tá bom, então. Esquece, senhor, esquece.

Isso é Pituba, isso é Salvador.

sábado, 21 de dezembro de 2013

SALVADOR, ZONA AZUL (VIII)

Saudades da Vila Laura. O custo de vida na Pituba, a três km de distância, supera os 300% em muitos casos.

Ontem, no fim de linha da Pituba: encosto o carro no meio-fio, de olho nos balaios de umbu. O vendedor corre pra cima.
- Tá quanto o litro?
- O freguês quer dos graúdos ou dos mais graúdos?
- Não sei, parece o mesmo.
- Né não, freguês, olha só esses aqui - e mete a mão no balaio.
- Ta quanto o litro?
- Desses aqui, oito reais.
Reajo com a boca aberta e menear negativo de cabeça.
- Diga, freguês, desses ou desses aqui, a gente vê.
- Não, não, deixa pra lá.
- Faço a seis, freguês.
- Não, não, esquece - e começo a acelerar. Mas ouço, ainda:
- Faço a cinco, freguês.
Aí é que não quero mesmo. Acelero, puto da vida, lembrando do meu tempo de menino, sacola de pano pendurada no ombro, quicé na mão e uma porção de sal enrolada num papelzinho, a catar umbu no mato. Merda de cidade grande.
Hoje, minha secretária periódica do lar me diz que na feirinha de Cosme de Farias, vizinha da minha Vila Laura, o litro do umbu é vendido a dois reais. Dois reais, a três km de distância, na mesma Salvador.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

MAIS AFFONSO MANTA

CRIAÇÃO

Crie canários verdes na varanda
Onde os meninos brincam de ciranda.

Crie esses bois de chifres de açucenas
Que pairam nos céus das manhãs serenas.

Crie cavalos da Andaluzia
Em sítios de cristal e fantasia.

Crie raiz no amor de uma mulher
E espere calmamente o que vier.


DE UM RABISCO

Há que deixar em paz o poema.
Ou o poema nos afeta.
O poema há de ser perfeito.
Ou ele come o poeta.


O APRENDIZ

Sou pobre realmente.
Tenho apenas algumas folhas de papel na alma
E uma vontade - digamos, mansa -
De hipnotizar borboletas.
Que coisa sei da vida?
O bastante para não correr.


Poemas que são fonte de água boa de beber. Para beber sempre, e muito. Beber desses poemas faz um bem enorme à saúde. (da Antologia Poética, seleção e organização de Ruy Espinheira Filho, publicada pela Acad. de Letras da Bahia e Assembleia Legislativa da Bahia, 2013).

domingo, 15 de dezembro de 2013

AFFONSO MANTA - AS PALAVRAS QUE ELA NÃO ME DISSE


SONETO DOIS

Os campos, os vergéis estão florindo.
Eis que já vem o tempo das colheitas.
Enquanto é claro o sol, vê se me deitas
No leito sensual do amor infindo.

Na campina, no alto da colina,
No canteiro das rosas cor-de-rosa,
No tapete de sala adamantina,
Na cama confortável e cheirosa.

Deita-me onde for doce me deitar:
Num lugar precioso, num lugar
Onde a beleza, onde o alvorecer.

Deita-me e deita no meu céu macio,
Como quem deita sobre a paz do rio,
Como quem deita sobre o próprio ser.


Uma poesia de beleza furiosa, de explosões líricas impressionantes, de alto valor universal. Affonso Manta tem, enfim, sua "Antologia Poética", organizada por Ruy Espinheira Filho, lançada pela coleção "Mestres da literatura baiana", sob o patrocínio da Academia de Letras da Bahia e da Assembleia Legislativa da Bahia. O lançamento aconteceu no dia 28 de novembro passado, no dia daquela tempestade que alagou a cidade. Mesmo assim fui lá e tenho aqui o meu exemplar, que me permite oferecer a vocês uma amostra da poesia superlativa de Affonso Manta, nascido em Salvador, no ano de 1939, e falecido em Poções/BA, em 2003.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

SALVADOR, ZONA AZUL (VII)

Volto ao estacionamento: oito reais por hora ou fração num daqueles para quem acessa o Pelourinho pela Baixa dos Sapateiros. Sem apelação, sem minutagem, redondos.

O que faz alguém no Pelourinho? Passeia, fotografa, faz compras, vai a shows, eventos, bebe, come, demora-se por aquelas ladeiras, entre o casario colonial, refrescando-se aqui e acolá. Programa para algumas horas, nunca para uma hora. Em uma hora vai-se ao banco, e olhe lá.

Então, a quem se destina um estacionamento a 8 reais a hora ou fração? Talvez a uma pequeníssima fração de soteropolitanos. Para turistas? Ora, não sabia que turistas alugavam carros como quem compra fitinhas do Senhor do Bonfim. Sobra para quem necessita, de verdade, ir até aquelas plagas para algum compromisso. E aí tem que chimbar (ou será ximbar?) em 24 reais por 3 horas no Pelourinho.

Isto é liberalismo: não estamos aqui para promover bem-estar público, mas para arrecadar cada vez mais (e permitir que os nossos faturem mais, também) para, assim, realizar obras de superfície, obras que todos vejam, alavancando nossa carreira política. Quem tem carro que se vire para mover-se com ele pela cidade e para estacionar - isso não é problema do poder público. Essa é a cor de Salvador.

Para fechar o assunto: soube que na parte de riba, na Misericórdia, estacionar custa nove reais a hora ou fração. Sem misericórdia.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

PAPO SOBRE JORGE AMADO


Ontem à tarde, no Centro Cultural dos Correios, de lado pra igreja de São Francisco, no centro histórico de Salvador, e ao lado de Antonio Torres, Myriam Fraga e Dênisson Padilha Filho, falamos de literatura, nossa e dos outros, e de Jorge Amado, em especial.

Conto o que tenho contado: entrei no ginásio aos 11 anos e já era um leitor compulsivo, apaixonado pela literatura e tudo o mais que pudesse ler. Minha professora de português, Vitória Rodrigues, me franqueou o acesso aos livros de Jorge Amado. Então, li, reli, treli, tudo que Jorge havia publicado até então. Depois viria toda obra de José Mauro de Vasconcelos e de Monteiro Lobato (que esqueci de citar, ontem). Pouco compreendi do que li à época, em particular dos livros que Jorge escreveu sob o peso ideológico. Mas isso não importa. O que ficou foi a emoção das leituras, dos mundos revelados, das possibilidades do fazer humano até então desconhecidas de minha miudeza de gente. 

Disse mais: que depois de tanta leitura, a gente forma um grupo de amigos escritores, se filia a esse grupo por valorar o trabalho desses autores e que, ao me tornar também autor, procuro defender os princípios desses meus amigos, adotando assim o entendimento do escritor norte-americano Jonathan Franzen, em oposição aos dos meus inimigos (aqueles autores de uma literatura a que não concedo valor). E que Jorge Amado é um desses meus amigos mais queridos por ter sido o primeiro autor em cuja obra mergulhei várias vezes. Ainda, que absorvi dele bens preciosos: a compaixão pelo povo e o amor por sua terra. Em minha literatura procuro dar conta disso, não sei se consigo fazer bem ou à altura desses meus amigos. Mas me esforço. Foi uma bela tarde, um ótimo encontro, um prosa daquelas merecedoras de um bom vinho tinto.

(mais sobre o encontro em www.jorgemais100.com.br)
Imagem: Carlos Eugênio Junqueira Ayres

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

"Jorge +100" discute a Bahia de Jorge Amado na atualidade




Dia 11.12, a partir das 15h, participarei da mesa "Terras do sem fim" no evento "Jorge + 100", ao lado dos escritores Dênisson Padilha e Antonio Torres, com mediação da poeta Myriam Fraga. A entrada é gratuita. Compareçam. Leiam, abaixo, detalhes do evento.

O Centro Histórico de Salvador abrigará de 10 a 13 de dezembro um evento literário que vai discutir a Literatura que se faz hoje na Bahia, tendo como referência o mais famoso dos escritores baianos: Jorge Amado. O “Jorge + 100” é uma iniciativa patrocinada pelos Correios, com realização do Ministério da Cultura, apoio da Fundação Casa de Jorge Amado e organização da produtora Canto de Ideias.

O encontro será no Centro Cultural dos Correios, no Largo do Cruzeiro do São Francisco, Pelourinho, com acesso gratuito ao público até a capacidade máxima do auditório. O Jorge +100 reunirá diversos escritores e especialistas que debaterão sobre as obras ficcionais atuais e os temas relacionados, que vão desde as ruas de Salvador como inspiração à baianidade da população e influência da capital nos trabalhos dos autores locais. Estão confirmadas as participações de nomes de destaque no cenário nacional, como o baiano Antônio Torres, recém-eleito para a Academia Brasileira de Letras, Liv Sovik, pesquisadora de temas multiculturais, e a atriz e poeta Elisa Lucinda. A semana literária terá ainda a presença de Antônio Carlos Sobrinho, Aurélio Schommer, Carlos Barbosa, Daniel Lisboa, Dênisson Padilha Filho, Fernando Conceição, Herculano Neto, James Martins, Lande Onawale e Paulo Dourado.

Para o professor da Universidade Estadual da Bahia e curador do Jorge +100, Gildeci Leite, é preciso compreender a dimensão da obra amadiana, que sempre será ponto de partida para sua afirmação e enaltecimento ou para tentar negá-la, sem necessariamente utilizar artifícios depreciativos. “Desde algum tempo Jorge Amado tem sido compreendido como autor de um modelo literário que pode ser visto das ruas da Bahia em especial da Cidade da Bahia de Todos-os-Santos. Há autores que fazem questão de demonstrarem o distanciamento desta proposta e outros, que mesmo sem serem imitadores, assumem a baianidade amadiana, pois não assumi-la seria negar parte significativa do cotidiano à nossa volta”, afirma. “O projeto Jorge +100 tem o intuito de problematizar essas e outras questões e fazer valer várias propostas de literariedade todas com a cara de diversas Bahias”, completa.

Escritores pós-amadianos | Durante quatro dias, os debatedores e mediadores vão abordar as heranças literárias de Jorge Amado e também a produção de escritores de uma geração posterior. As mesas temáticas “Mulheres da Bahia”, “Terras do sem fim”, “A cor da Bahia”, “Nas ruas de Salvador”, “Socialistas, graças a Deus” e “Crenças e Mistérios” serão mediadas, respectivamente, por Renata Rocha, Myriam Fraga, Goli Guerreiro, Márcio Mattos, João Paulo Cuenca e Fernando Guerreiro. Antes de cada debate, haverá apresentação de uma dupla de atores que farão um stand-up literário. Nos dias 14 e 15, encerrando o evento, estão programadas atividades com alunos da rede pública de ensino de Salvador. A programação completa está no jorgemais100.com.br.

CONTATOS:
Gildeci Leite | 8884-6851  (75)9824-4785
Canto de Ideias Produções e Consultoria | 9165-0599  9165-0810

O QUÊ: Jorge +100             
QUANDO: 10 a 13 de dezembro
ONDE: Auditório do Centro Cultural dos Correios
               Largo do Cruzeiro do São Francisco. Centro Histórico.
HORÁRIO: 15h30 às 19h30 
ACESSO GRATUITO*até a lotação do espaço