sexta-feira, 17 de setembro de 2021

ZEQUINHA E LAMARCA, 50 ANOS DEPOIS

 

   


   Preciso dizer que o Monumento aos Mártires é obra da Diocese da Barra, Igreja Católica, sob a regência do bispo Dom Luiz Cappio.

   E que homenageia não só Zequinha Barreto e Carlos Lamarca, mas outras "pessoas que entregaram a vida por causa justa":

   Josael de Lima, que morreu assassinado por grileiros na cidade da Barra;

   Manoel Dias, também morto por grileiros na cidade de Muquém do São Francisco;

   Luiz Antônio Santa Bárbara e Otoniel Campos Barreto, assassinados no distrito de Buriti Cristalino pelas forças da Ditadura Militar, no dia 28.08.1971.

   O Memorial aos Mártires foi erguido em 2013, no mesmo local em que tombaram Zequinha Barreto e Carlos Lamarca, no distrito de Pintada, município de Ipupiara, bem próximo a Brotas de Macaúbas.

   O monumento retrata Zequinha carregando Lamarca e é obra do artista plástico Carlos Roldão.

   Lembrar os que morreram por ousar lutar, esta é a principal mensagem deste dia.

   Para que mais tarde não se pergunte como se chegou a este ponto. Ou àquele.


quinta-feira, 16 de setembro de 2021

17 DE SETEMBRO DE 1971

  

   

   
   Dois homens, neste dia, foram assassinados no sertão da Bahia. 

   Dizem que dormiam debaixo de uma braúna. Em riscos de sombra, sob um sol abrasador.

   Mais provável que exangues, desfalecidos.

   Um deles teria se levantado e atirado pedras nos assassinos. Pedras.

   O mais jovem, o nativo, aquele que foi visto carregando nos ombros o companheiro de tribulações.

   Zequinha. Zequinha Barreto.

   Dizem ainda que tentou fugir, depois de atirar pedras, e foi então metralhado.

   O outro recebeu sua cota de balas deitado onde estava. Lamarca.

   Cinquenta anos depois, os dois estão imortalizados em monumento.

   Lá na Pintada, no mesmo local em que foram mortos, tidos como Mártires.

   Enquanto aqueles que os mataram voltam a apontar suas armas na direção da Liberdade.

   Mártires, junto a outros mártires, deles poucos se lembram.

   Amanhã haverá missa na Pintada, junto ao monumento.

   E só?

domingo, 10 de janeiro de 2021

2020, QUEM DIRIA...


45 garrafas de vinho tinto das mais distintas procedências.

03 litros de uísque envelhecidos.

06 garrafas de cachaça de Boquira diluídas em batidas de limão.

04 garrafas de Brandy, sendo duas da Embrapa e duas vindas de Jérez de la Frontera.

Algumas dúzias de cerveja puro malte.

Muitas horas de Spotify, algumas listas de mornas canções.

Encontro com obras e vozes femininas das mais deslumbrantes:

Lhasa de Sela, Concha Buika, Alela Diane, Térez Montcalm, Hindi Zahra, Lisa Hannigan e a fenomenal Laura Marling.

Filmes e séries vistos à exaustão; alguns até mereceram nosso tempo.

Muitos livros lidos pela primeira vez, outros revisitados, muitos.

Um quase nada escrito. Um mundo sonhado.

Tudo o mais acumulando pó.

E 2020 passou assim enviesado, na diagonal; ácido e áspero. 

À espreita.

domingo, 3 de janeiro de 2021

2021, QUEM DIRIA...

 

     Desconheço quem diga mais bobagens que eu. Sobre literatura. Não assino embaixo de muita coisa dita por mim por aí registrada. Me espanta, na verdade, tanta tolice. Meu pecado é não resistir a responder quando me perguntam. Aí tento elaborar algo. A maioria sola. Mas não consigo rir depois, nem agora, fico depressivo. E digo que nunca mais falarei nada sobre literatura. Problema é que tenho amigos. E no mais das vezes cedo. Quando devia era noitecer. E lá vou a dizer bobagens. Me desconheço, nessas horas. Não devia, a esta altura da partida finda. 

     Tive vontade de registrar isso aqui. Só eu mesmo leio. E muito de vez em quando. Quero voltar a esse tema adiante, esse alicerce fluido, magmático. Lamaçal de beira de rio, atoleiro, engancho. 

      Nada sei de literatura. Conto uns causos. Só isso. Talvez devesse parar de contar essas coisas que a ninguém mais interessa. Verdade é que por isso mesmo devo continuar. Ainda vivo. Embora só respire. Mas o que digo?! Bobagem, bobagens. Inevitável, como se lê.

     2021, quem diria...


segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

O BOSQUE SEM SAÍDA, de XAVIER RODRIGUEZ BAIXERAS

      Nosso amigo Baixeras despachou de Vigo, Galícia, Espanha, onde reside, seu novo livro, "O bosque sem saída". Um volume de poemas em duas partes: 1) Sair do gris, reunindo poemas de 2015 a 2017, e 2) O bosque vazio, com poemas de 2018/19. Na primeira parte, encontramos um bloco de poemas "baianos", por assim dizer, pois claramente inspirados por cenários e episódios vivenciados em suas passagens por nossa terrinha, em longas e repetidas férias de verão. Em um dessas nos conhecemos e o Baixeras tornou-se partícipe dos encontros no Ceasa do Rio Vermelho, em torno dos poetas Ruy Espinheira Filho e Florisvaldo Mattos. Bons e belos tempos!

      E na parte "baiana" do livro, assenta-se "O milagre da fruta-pão", dedicado ao final a Uaçaí Lopes e a este que ora faz este registro.

O MILAGRE DA FRUTA-PÃO

         Os sobrinhos de Justino brincavam com bois de fruta-pão (Herberto Sales)

Percorri o mercado buscando a fruta-pão,
sabendo que servira de brinquedo
em certa infância ignota. Fui buscando,
buscando a fruta-pão.

Percorri com alguém que conhecia a fruta
e que foi inquirindo, e respondiam:
não tem infância, mas sigam sigam
buscando a fruta-pão.

E meu guia falando que, uma vez cozinhada,
é grosseiro arremedo de batata,
que era estranha aventura essa de andar
buscando a fruta-pão.

E então me perguntou: de onde tirou, amigo,
que tal fruta foi um dia brinquedo,
que andaram as crianças pela rua
buscando a fruta-pão?

Respondi que era certo, que fora fruta mágica,
que as crianças a viram como um boi
e que agora eu voltava a esse delírio,
buscando a fruta-pão.

E as frutas percorreram devagar a calçada
com seus passos cansados e solenes,
e foram bois, e então já não segui
buscando a fruta-pão.

Em todas as barracas mexiam a cabeça,
como falando: disso não vendemos.
Há tempo que ninguém chegou aqui
buscando a fruta-pão.

                   Para Uaçaí Lopes e Carlos Barbosa

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

MATEUS ALELUIA, OLORUM




Quem se lembra do grupo musical “Os Tincoãs” e seus grandes sucessos, como Deixa a gira girar e Cordeiro de Nanã, vai entender bem a importância de um novo disco de Mateus Aleluia: é como manter acesa aquela chama de brilho e beleza, que brotava de uma sonoridade adocicada feito cana-de-açúcar do Recôncavo baiano. 

Mateus Aleluia nasceu em Cachoeira, passados 76 anos, e fez parte de “Os Tincoãs”, junto com Heraldo e Dadinho, na sua fase de ouro, quando o Brasil inteiro vibrou com eles nos anos 1970. Durante duas décadas, Aleluia morou em Angola, onde trabalhou para o governo como consultor.

“Olorum” é o terceiro disco autoral de Mateus Aleluia, depois de “Cinco sentidos” (2010) e “Fogueira doce” (2018), e tem produção de Ronaldo Evangelista, com participação especial de João Donato. O lançamento foi feito em uma live, que alcançou mais de 25 mil visualizações.

A canção que dá título ao disco resume à perfeição o espírito e a proposta do artista: um misto de oração de congraçamento em torno da idéia de união do ser humano e da busca incessante por um tempo melhor, a partir de sua ancestralidade africana. “Olorum/ seu povo está cansado/ de sofrer”, canta Aleluia numa abertura em voz e violão, em esforço emocionante de conexão com a divindade, “de joelhos, peço”, enquanto deixa claro que vê em cada ser humano um irmão. O clamor individual da abertura quebra-se, então, em ritmo e pulsação com a entrada dos tambores e demais instrumentos, um balanço nascido nos terreiros de candomblé e se popularizou desde “Os Tincoãs”. Em “Olorum”, o ritmo transporta a emoção da abertura para uma convicção de que a beleza, com certeza, supera todo e qualquer óbice cotidiano. “Olorum” já está disponível no Spotify.

domingo, 2 de agosto de 2020

QUARADOR


estendo esperanças
na laje nua do meu solar
em ruínas

(a chuva não deixa secar)

retorço esperanças
nas manhãs assustadas
de estio

(já começam a mofar)

aqueço esperanças
no poço das noites de insônia
e vigília

(algumas deixo escapar)

repasso esperanças
no crivo confuso por afetos
e ausências

(tecido frio a enrugar)

recolho esperanças
frágeis na rua; ameaças letais
viralizam

(luto pra respirar)

acoito esperanças,
por fim, na loca do meu coração
quarador

(sementes a germinar)


04.06.2020
em isolamento, em tempo de pandemia