quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

CADERNO DE RUMINAÇÕES, FRANCISCO J. C. DANTAS, SERVIÇO PÚBLICO

http://oglobo.globo.com/blogs/arquivos_upload/2012/06/110_2948-Francisco%20Dantas-certo.jpg  http://skoob.s3.amazonaws.com/livros/232309/CADERNO_DE_RUMINACOES_1335638055P.jpg


Concluí a leitura de "Caderno de ruminações", do romancista sergipano Francisco J. C. Dantas, publicado no ano passado pelo selo Alfaguara da editora Objetiva. Um belo romance, que comentarei adiante para a coluna "Crítica Rasteira", da revista eletrônica Verbo21 (verbo21.com.br). Faço a referência, hoje, para citar um trechinho bem a propósito dos posts anteriores. O Brasil de hoje mantém a cara, a quadratura, a andadura, a ruminância, do Brasil de ontem e de sempre. Quanto a mudanças, a luta continua na literatura.

"[...] No fundo mesmo, (Dr. Rochinha) acreditava que, fosse qual fosse a condição social ou econômica do profissional, o canudo lastreado de um currículo invejável lhe abriria todas as portas.
       Todavia, ainda não experimentara que os tupininquins descansados, aqueles que infestam as repartições, lotados nos cargos mais cobiçados, mal se sentem seguros, vitalícios, cheios de imunidades, passam a viver na pasmaceira, de barriga cheia e braços encruzados. Entre um bocejo e um arroto, gastam o tempo a vigiar os que transgridem as regras da incompetência. Não toleram nenhuma inteligência laboriosa e criativa. Ainda mais vinda de fora." (pág. 184).



Imagens: Bol Fotos, autor e livro


terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

YOANI, LIBERDADE, MAYRANT



Leio com atraso os mais recentes posts do Não Leia!, blogue do escritor Mayrant Gallo (link ao lado). Fico mais que contente com a próxima publicação de "Cidade singular", livro de contos. E sei que novos livros de autoria do Mayrant estão no forno para este ano. Mayrant Gallo é um dos mais expressivos, criativos e produtivos escritores baianos, simples assim. Fico também sabendo de episódios vividos por ele em sua passagem pela Fundação Pedro Calmon.  Triste, desanimador, o quadro. E assim lembro de uns versos de uma canção que escrevi tempos atrás "nosso futuro é tenebroso/  se o principal for rodapé". Parece ser o caso. 

As lições da passagem da jornalista cubana Yoani Sanchez pelo Brasil precisam ser internalizadas pelos mais jovens. A cena de Yoani autografando livros no porão da livraria, impedida que foi de fazê-lo no ambiente adequado, foi das mais constrangedoras para quem ama e defende a liberdade de expressão, e mais uma vez digo o mínimo. E uma das mais emblemáticas do que representa o autoritarismo e suas manifestações usuais. Os escritores são odiados, definitivamente, pelos autoritários de plantão, não importa a coloração ideológica nem o país em que estes últimos refocilam. 

Perguntem ao passarinho qual o melhor lugar pra cantar.



quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A DEMISSÃO DE MAYRANT



Leio que a demissão do escritor Mayrant Gallo da Diretoria do Livro e da Leitura, da Fundação Pedro Calmon/FPC, foi motivada por "incompatibilidade com a Secult", órgão a que a FPC está vinculada.

Esse argumento me horrorizou, e digo o mínimo.

A atuação de Mayrant Gallo foi extremamente proativa e produtiva. Ter uma atuação proativa e produtiva é, portanto, incompatível com a Secult.

Editais foram publicados, projetos foram avaliados, livros foram escritos e publicados sob a égide da Diretoria do Livro e da Leitura. Então, isso é incompatível com a Secult, sabemos agora.

Livros raros e fundamentais, como "O povoamento da cidade do Salvador", de Thales de Azevedo, e "Jana e Joel", de Xavier Marques, foram republicados em edições fac-símiles. Publicar tais livros essenciais para a cultura baiana é incompatível com a Secult, fica claro agora.

Eventos foram criados para promover o encontro do escritor com o leitor em bibliotecas públicas e, inédito no Brasil, penso eu, para leituras públicas de seus textos pelos próprios autores em espaços públicos. Isso é incompatível com a Secult, registre-se em definitivo.

E a conclusão a que se chega só pode deixar uma impressão de horror diante do interesse oficial demonstrado pela livro e pela leitura.





segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

O TIGRE BRANCO, ARAVIND ADIGA

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Como passar da Escuridão para a Luz, os dois lados da Índia revelados por Aravind Adiga em seu primeiro romance, vencedor do Man Booker Prize. A Luz está no litoral, a Escuridão ao longo da lama negra do Ganges. Como se tornar um empreendedor hindu em sete lições. Romance neoepistolar: o narrador/protagonista envia e-mails a uma autoridade chinesa prestes a visitar o país. Um relato do horror cotidiano dos miseráveis, presos à submissão de castas e à ausência total de benefícios sociais. A calçada do shopping vai dar na favela, onde homens acocorados defecam na rua. Como passar da Escuridão para a Luz? Assassinato e corrupção, ora, como em qualquer lugar civilizado do mundo. Esqueça a novela global e o filme do Oscar, afinal de contas só nasce um “tigre branco” a cada geração. 


O TIGRE BRANCO – Aravind Adiga, tradução de Maria Helena Rouanet,  Ediouro/PocketOuro, 2008. Comentário publicado originalmente na edição de janeiro da revista eletrônica Verbo21 (verbo21.com.br). Imagem: Bol Fotos.
 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

CARNAVAL NA BOA TERRA

http://s2.glbimg.com/HxowvoPRuzlvd4_7JBYpLETVzx4iNVxdPLGifcJeCpn9qKKoTumGwnk6aUvfNzei/s.glbimg.com/jo/g1/f/original/2013/02/09/ivete_trio.jpg



Dizem que há carnaval na cidade. Dizem que 2 milhões de pessoas se sacodem nos circuitos atrás dos trios. Tudo acontece bem ali, mas parece ser no outro lado do mundo. Chego a desejar que o carnaval seja permanente, não apenas duas vezes por ano como quer o novo prefeito. Tudo, no bairro em que moro, fica tranquilo tranquilo.

O que repercute aqui é a declaração de um dirigente do Olodum de que a Bahia pertence a Ivete. E eu que pensava que era o Brasil...

Para estacionar na avenida Garibaldi, próxima a um dos circuitos do carnaval, a prefeitura exige a cartela de 20 reais. Vinte reais. R$ 20,00. Vinte paus. Vinte mangos. Uma amarelinha. Ah, vá lá, uns caraminguás.

Ainda bem que há sempre farmácias de plantão.



Imagem: Bol Fotos, Ivete de toureira no trio.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

BRASILIANA II


Cidade grande do interior. De qualquer estado estado da federação. 
Dia de futebol no estádio. Dia que amanheceu fechado, chuvoso. Anúncio de tempestade com raios e trovões.
Promotor público aciona a Justiça para cancelar a partida. O estádio, com capacidade para alguns milhares de torcedores, possui cobertura metálica em um lado da arquibancada.
A magistrada acolhe o pedido. 
Jornalista que não poupou críticas às autoridades de Santa Maria volta ao ataque. Desta feita, contra a medida cautelar da magistrada. Ingressos vendidos, time da capital já estava na cidade, transmissão programada pela TV, decisão de última hora, desrespeito ao torcedor etc. 
Nada disse sobre a combinação estrutura metálica x raios x público. Nem sobre o aumento do número de mortos na tragédia da boate.


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

BRASILIANA I


Boate de Bom Jardim, boate da cidade do leitor. Altíssimas horas.
Comissários interrompem balada para retirada de menores do ambiente.
Cortam o som. 
Burburinho, pequena confusão, solicitação de documentos, separação de corpos, atritos.
Torpedos e telefonemas, a batalha da comunicação noturna.
Pais acorrem ao festim, tresnoitados.
Deparam-se com filhos e filhas no interior da boate, apartados pelos comissários.
Desgostosos, irritam-se.
Então espancam os comissários.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

AS CORREÇÕES, JONATHAN FRANZEN





Pode ser muito longo o caminho para um último Natal em família. Longo e tortuoso, quando fantasiado no coração de uma mãe. A família representa em As correções a fornalha das sociedades capitalistas: conservadorismo exacerbado, modo alternativo dissoluto, carências e desencontros sexuais, uma eterna partida de pôquer. 

A guerrilha domiciliar marca profundamente esse romance de Jonathan Franzen. O ardor da escrita contamina o leitor, que sai chamuscado das escaramuças da família Lambert. Admirador de Alice Munro, cujo nome defende para o Nobel, Franzen não deixa por menos: expõe cruamente conflitos e disputas familiares, detalhando obras e pensamentos, extraindo de cada passagem tudo que ela pode oferecer em movimentação e humanidade. E um grande romance como esse só pode ter como autor alguém que domina a arte de “como ficar sozinho".


AS CORREÇÕES – Jonathan Franzen, tradução de Sérgio Flaksman, Companhia das Letras, 2011. Comentário publicado originalmente na revista eletrônica Verbo21 (www.verbo21.com.br), na coluna Crítica Rasteira., edição de dezembro 2012.
Imagem: Bol Fotos

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

MAINSTREAM



O verdadeiro negócio das salas de cinema multiplex é a pipoca. Os estúdios cinematográficos viraram bancos - o filme é feito por uma miríade de produtoras. O fim dos discos, a vitória da pirataria (promovida em certos países pela própria indústria fonográfica), o sistema de cotas nacionais como instrumento de censura e regulação de mercado, a vertigem da internet e um zilhão de coisas mais.

A cultura como realidade a ser entendida e não mais como arte a ser julgada.

Não sou nada ingênuo na leitura da mídia, mas "Mainstream" tem conseguido me surpreender a cada capítulo com informações preciosas sobre a formação dos grupos de mídia e produção cultural e seus entrelaçamentos mundo afora. Meio tonto com a constatação de que é humanamente impossível dar conta dos truques e armadilhas que a cultura dominante aplica e espalha em projetos globais. Estou lendo "Mainstream" (já na segunda parte) e senti vontade de dizer aos raros visitantes do blogue que esse é um livro de leitura urgente, atenta e necessária.
 
Durante cinco anos, o jornalista e pesquisador francês Frédéric Martel fez uma pesquisa de campo em 30 países e entrevistou mais de 1.200 pessoas ligadas à indústria cultural, hoje dominada pelo entrenimento. São números impressionantes. De Hollywood a Bollywood, do Japão a África, da Al-Jazeera à Televisa, com passagens pelo emergente Brasil. E com especial atenção à China, país que decididamente partiu pra disputa de mercados internacionais enquanto preserva o máximo que pode do seu próprio mercado e de sua cultura milenar. 


Mainstream - A guerra global das mídias e das culturas, Frédéric Martel, tradução de Clóvis Marques, Civilização Brasileira, 2012.
Foto: Bol Fotos