sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O NAVIO BRANCO


"O navio branco" tocou meu coração profundamente. Começa por ter um protagonista criança; e um coprotagonista idoso. Neto e avô. Pureza e fragilidade. Dois estágios da condição humana que se situam ao largo da arrogância e prepotência dos adultos competidores. O menino não tem nome, não tem pai nem mãe, dele cuida o avô, Momun o Solícito. E as outras pessoas do "cordão", distrito, são expressão da violência, embriaguez, mesquinharia e egoísmo, coisas típicas de gente grande e sabida. No império do materialismo histórico, Momun repassa ao neto a história do povo "bugu", das montanhas da antiga Quirquízia, por meio da lenda da grande Mãe Cerva-Galhuda. Pessoas assim sofrem muito neste mundo, território privilegiado do poder humano. O menino usa o binóculo do avô para trazer o mundo distante ao toque dos seus dedos. Um mundo inalcançável, na verdade, como o navio branco no mar. E tudo o mais à sua volta se prepara em horror e dor. Um história pungente, de tirar lágrimas do leitor.

Publicado em 1967, "O navio branco", de Tchinguiz Aitmátov, foi um sucesso editorial, recebendo críticas negativas da oficialidade soviética. Ali estava a tradição oral do povo quirquiz, algo a se eliminar, como o sonho, a sensibilidade, a humanidade, a liberdade. Em 1976, o filme baseado no livro foi considerado o melhor do ano na URSS. Li o exemplar que me foi emprestado por Ruy Espinheira Filho, edição de 1991, da Editora Brasiliense.

Assim começa a narrativa:

"Ele tinha duas histórias. Uma, a sua, que ninguém conhecia. A outra, a que o avô contava. Depois não restou nenhuma. É disto que vamos falar.
Naquele ano ele completara sete anos, estava na casa dos oito.
Para começar, compraram uma pasta. Uma pasta preta de couro artificial, com fechadura e trinco de metal brilhante que engatava numa fivela. Com um bolsinho por fora para moedas. Numa palavra, uma incomum pasta escolar das mais comuns. Parece que foi aí que tudo começou."

O resto é um rol de maravilhas.

3 comentários:

  1. Carlos, meu caro, belo fragmento. Um instântaneo de dor e lirismo. No mais, meu muito obrigado pelos votos, tanto literários como matrimoniais. Sua presença e de Mônica seriam muito bem-vindas. Aquele abraço.

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  2. Carlos, meu caro, belo fragmento. Um instantâneo de dor e lirismo. No mais, meu muito obrigado pelos votos, tanto literários como matrimoniais. Sua presença e de Mônica seriam muito bem-vindas. Aquele abraço

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