quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

BARBA ENSOPADA DE SANGUE, DANIEL GALERA



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O texto de Daniel Galera que saiu na Granta prometia um grande romance. Que veio acima da expectativa. Barba ensopada de sangue (Companhia das Letras, 2012) não é romance policial como querem alguns. O crime ocorrido no passado familiar do protagonista inominado apenas motiva suas buscas. Que no fim das contas não difere daquelas que atormentam a todos nós. A doença que o impede de reconhecer rostos denuncia a estandardização contemporânea. 

Galera faz lembrar Jonathan Franzen, Junot Diaz e Manuel Vasquez Montálban: a desagregação familiar como tema, ousadia no narrar, exploração do que sente o homem diante das exigências endógenas e exógenas. “Não se podem abandonar os livros nem os cães. Os filhos, sim”, serviria bem como epígrafe. O estertorar humano em seus diversos papéis e não lugares. Galera não só retomou sua dicção com esse livro, como disse à Folha de SP, mas escreveu o romance brasileiro do ano.


Texto publicado em primeira mão na revista eletrônica Verbo21 (verbo21.com.br), edição de dezembro de 2012, na coluna Crítica Rasteira. Publico aqui para movimentar este blogue ancilosado.

sábado, 19 de janeiro de 2013

TODAS AS ALMAS, JAVIER MARÍAS

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O que comove é fazer sabendo que o que se faz ou deixa de fazer tem peso e significado. O acaso não comove, e o inocente não encerra outra promessa além da forma pela qual deixará de sê-lo. (Javier Marías, Todas as almas, pag. 75, Martins Fontes, 1999).

Gosto muito de ler o Marías. Depois de "Amanhã, na batalha, pensa em mim", li "Negro dorso do tempo" e "Coração tão branco" nos últimos meses de 2012. Terminei hoje o "Todas as almas", romance que causou um rebuliço na vida do autor, a ponto de engendrar um outro romance, o "Negro dorso do tempo".

Marías foi professor visitante em Oxford durante dois anos. Escreveu "Todas as almas" com base nessa experiência e foi surpreendido pela recepção que o livro teve como se fosse um relato à vera. Por retratar a vida intriguenta e vaidosa dos "dons" de Oxford, Marías enfrentou reações, cobranças e situações estranhas, tão perturbadoras que o fizeram escrever em "Negro dorso do tempo" o seguinte: 

"Foi então, a partir da publicação na Inglaterra, que as averiguações que não procurei bem como os fatos e coincidencias aumentaram seu ritmo que não cessou mais e talvez não cesse nunca, e foi aí que tive às vezes a sensação de que é preciso ter cuidado com o que se escreve nos livros, porque às vezes se consuma. E se esse ritmo não cessar nunca, como prevejo, é bem possível que uma parte da minha vida - mas apenas uma parte - se veja para sempre condicionada e regida por uma ficção, ou pelo que esse romance me foi trazendo e ainda há de me trazer."

Uma das incríveis consequências para Marías foi o recebimento do título de Rei de Redonda, uma ilha nas Antilhas, de cuja linhagem ele se ocupa a certa altura de "Todas as almas", ao resgatar a biobibliografia do escritor John Gawsworth, segundo Rei da ilha. Somente essa história vale a leitura dos romances. Por estranho que pareça, recomendo a leitura de "Negro dorso do tempo" primeiro.

É preciso ter cuidado com o que se escreve nos livros, pois às vezes se consuma, bem diz Marías. A literatura pode ser muito perigosa, sabem disso os autoritários de plantão.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

DUAS PALAVRINHAS


VARIEGADO - diverso, diferente, vário, de cores variadas. Gostava de usar principalmente no feminino: variegada, variegadas. A questão é a pronúncia da palavrinha. Quando eu a usava dizia: "variejada", "variejadas". E não é, descobri mais tarde, o que me deixou desgracioso e entristecido. É gado, mesmo. O que a torna uma palavrinha horrorosa.

INEXORÁVEL - não exorável, que não se comove, rigoroso, severo, contra o qual nada se pode fazer. Normalmente ouve-se, de boca cheia, "ineqsorável". E não é, pois não. A palavra não guarda conexão com "nexo", que se diz "neqso", mas em oposição a exorável, que se diz "ezorável", da família de exame, exórdio, exato, exequível etc. E que se pronuncia "inezorável". O mais grave é que o dicionário Aulete Digital registra as pronúncias "ezorável" e "ineqsorável", contradição no mínimo exorbitante, merecedora de exorcismo. Por conseguinte, exoftalmia e exodontia estão na categoria "z".

Chato, mas interessante, não?

domingo, 13 de janeiro de 2013

PODRES PODERES



 Será que nunca faremos
Senão confirmar
A incompetência
Da América católica
Que sempre precisará
De ridículos tiranos?



Parece que zil anos se passarão e esses versos de Caetano se manterão atuais. A parcela de liberdade que a sociedade entrega ao Estado diminui, ou luta-se para que diminua, nos países ditos civilizados sob regimes ditos democráticos. 

"Reaja sempre que o Estado quiser tirar um direito seu, mesmo que esse direito não lhe interesse diretamente", disse-me um dia um professor de Direito Constitucional. O homem digno deve lutar para ser cada dia mais livre. Mas há quem mais queira ser a cada dia vassalo de um só homem. Lá eles, como se diz na Bahia, lá eles!

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

AMIGO SECRETO


quem me abandonou
quem me esqueceu
quem me disse mal
quem me aborreceu

quem me fere
quem me maltrata
quem me ofende
quem me destrata

quem me despreza
me incompreende
quem me exige
o indevido, me exaure

secretamente forma
a legião
que meu tempo devora
e me devolve
preciosa lição