quinta-feira, 29 de novembro de 2012

TEMPO E POESIA NA ACADEMIA



Ainda dá tempo. Há poesia à sua espera.
Coordenado por Evelina Hoisel e Aleilton Fonseca, o evento discute na obra de Ruy Espinheira Filho a poesia e sua inserção no tempo. E é, também, uma homenagem ao escritor pelos seus 70 anos, que se completam agora em dezembro.
No primeiro dia, 27, Ruy esteve na mesa mediada por Antonia Herrera respondendo a questões formuladas por Carlos Ribeiro, Gerana Damulakis, Iacir Anderson Freitas e Gabriela Lopes. 
Ontem, 28, com mediação de Evelina Hoisel, foram apresentadas comunicações por Iacir Anderson Freitas (Perdas luminosas: memória e finitude na poesia de REF); Florisvaldo Mattos (REF: a poesia na marcha do tempo sucessivo); Alana de Oliveira Freitas (REF: arquitexturas do tempo e da memória); e Sandro Ornellas (O passar dos meses: notas sobre o tempo em REF).
E hoje, 29, a partir das 17h, com mediação de Aleilton Fonseca, o evento traz Miguel Sanches Neto que falará sobre REF: poesia como memória viva.
O encerramento, uma noite de autógrafos.
Ainda dá tempo. Há poesia hoje na Academia.
 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

NÁDIA ENCANTADA



Grande amiga.
Mulher de um grande amigo.
Mãe de muitos filhos não gerados.
Advogada, funcionária pública.
Cantora de voz belíssima, aprendeu a tocar violão para se acompanhar.
Levava este sorriso aí a todo lugar e a toda gente, leve.
Fazia a festa todo domingo de manhã no Lar dos Idosos, na Asa Norte.
Palavra serena e sábia, sempre.
Anfitriã generosa.
Grande amiga.

Estrela que aquecia muitos planetas.
Mãe de muitos filhos não gerados.
Ficou encantada no domingo, ascendente.
Estrela agora outro sistema.
Visível eternamente ao olhar dos que a amam.
.
Nádia, esperança, luz: encantada.

domingo, 25 de novembro de 2012

AMANHÃ, NA BATALHA, PENSA EM MIM, de Javier Marías




"Contei. Contei. E ao contar não tive a sensação de sair do meu encantamento do qual ainda não saí e talvez nunca saia, mas sim de começar a mesclá-lo com outro menos tenaz e mais benigno. Quem conta costuma saber explicar bem as coisas e sabe se explicar, contar é a mesma coisa que convencer, ou fazer-se entender, ou fazer ver, e assim tudo pode ser compreendido, até a coisa mais infame, tudo perdoado quando há o que perdoar, tudo passado por cima ou assimilado e até compadecido, isso aconteceu e é preciso conviver com o que aconteceu uma vez que sabemos que foi, buscar-lhe um lugar em nossa consciência e em nossa memória que não nos impeça de continuar vivendo porque sucedeu e porque o sabemos."



Destaco esse trechinho do romance "Amanhã, na batalha, pensa em mim", do Javier Marías, com tradução de Eduardo Brandão (Martins Fontes, 1997). É o primeiro romance do Marías que leio. E ainda não terminei. Deixo aqui o registro da melhor impressão que um texto ficcional pode firmar no leitor: único, profundo, multifacetado, pródigo, assim generoso, derramado e revirado, espremido em seu dobrar e desdobrar, em que a trama pesa mas nem tanto. Irei a outros, com certeza.



Imagem: Bol Fotos, bruma.

domingo, 18 de novembro de 2012

FEROCIDADE


Alguma coisa há de aterradora na atitude dos cães. 
Não uivam mais para a lua. Não latem quando diante deles os carros zunem. (Latem agora apenas para seus iguais.) Não se ouve mais ganidos nos becos ou quintais. Rosnam pelas calçadas, alguns. Uns outros, arfam desencontrados pelas ruas. 
Alguma coisa há de aterradora no silêncio dos cães.
Perambulam. Observam. Fuçam. Parecem fazer um cerco proposital aos parques e jardins. Ignoram assovios e palmas. Prosseguem focinhando o tempo. 
Alguma coisa de humano excede nos cães.




Imagem: Bol Fotos

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

POEMA DE BUKOWSKI


então você quer ser escritor?

se não estiver explodindo em você
apesar de tudo,
não faça.
a não ser que saia espontâneo de seu
coração e de sua mente e de sua boca
e de suas entranhas,
não faça.
se você tiver que passar horas
encarando a tela do computador
ou encurvado sobre sua
máquina de escrever
procurando palavras,
não faça.
se você estiver fazendo isso por dinheiro ou
fama,
não faça.
se você estiver fazendo isso porque deseja
mulheres em sua cama,
não faça.
se você tiver que sentar ali e
reescrever mais uma vez e mais uma vez,
não faça.
se der o maior trabalho só de pensar em fazer,
não faça.
se você estiver tentando escrever como outra
pessoa,
esqueça.

se você tiver que esperar até isso rugir em

você,
então espere com paciência.
se isso nunca rugir em você,
faça outra coisa.
se você tiver que ler primeiro para sua esposa
ou para sua namorada ou para seu namorado
ou para seus pais ou para qualquer um,
você não está pronto.

não seja como tantos escritores,

não seja como tantas milhares de
pessoas que se dizem escritores,
não seja chato e estúpido e
pretensioso, não se deixe consumir pela
vaidade.
as bibliotecas do mundo
bocejam até
dormir
sobre tipos assim.
não aumente isso.
não faça.
a não ser que saia de
sua alma como um foguete,
a não ser que ficar parado te
leve à loucura ou
ao suicídio ou assassinato,
não faça.
a não ser que o sol dentro de você esteja
queimando suas vísceras,
não faça.

quando for realmente o momento,

e se você for escolhido,
isso irá acontecer por
conta própria e continuará acontecendo
até você morrer ou isso morrer em
você.
não há outro jeito.

e nunca houve outro.


Charles Bukowski, com tradução de Fernando Koproski

Capturei este poema no blogue do Miguel Sanches Neto, que publicou um livro de contos com o mesmo título. Isso faz um tempo e eu já o havia esquecido em um arquivo word. Mas hoje o reencontrei e considerei oportuno publicá-lo aqui. Obviamente, para o deleite dos poucos leitores do Minicontos. A poética pregada por Bukowski no poema dispensa defesa ou enaltecimento. Nunca houve outro jeito de produzir arte, embora o pseudoprofissionalismo literário considere que o escritor, com diploma e tudo, seja capaz de produzir literatura a qualquer momento, a qualquer hora etc e tal. Tou com Bukowski.

domingo, 11 de novembro de 2012

COARADOR

Ninguém me chamou a atenção, mas faço o registro: a grafia correta do verbo é "quarar" e a do substantivo masculino é "quarador". 

Não sei por que escrevo "coarador", desde sempre. Já enfrentei revisões em que tive que alterar a grafia do vocábulo, por força do VOLP e de qualquer dicionário da língua portuguesa. 

Ou talvez eu saiba: pela beleza da palavra "coarador" face à feiura de "quarador". Quarador parece parte final de uma outra palavra, não um termo em si.

Quarar significar "branquear(-se) a roupa ao sol". Já o Aulete diz que quarador é um piso de cimento liso onde se coloca a roupa para corar. E indica a forma alternativa "coradouro". Vejam só: piso de cimento?! Esse pessoal...

Pois bem, em um próximo livro, caso utilize "coarador", assim por puro gozo, terei que submeter-me à alteração do revisor e à linha editorial, que será por certo brandida, para resgatar a grafia "quarador". Que seja. 

Mas aqui no blogue, onde escrevo, reviso e edito, continuarei a escrever "coarador", pois é palavra bonita, estendida feito roupa na grama, não em piso de cimento, a brilhar no horizonte das coisas corretas, apesar das regras legais.

E no poeminha aí abaixo, que provocou reações positivas, para mim inesperadas, o verso continuará sendo "muitas vezes coarada". Bem melhor assim, tenho certeza.



Imagem: BOL Fotos, lavadeiras de rio

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

IDOSO INFANTE



quando meu irmão morreu
aos quinze anos de idade
pensei que cedo também morreria

hoje sinto que sou
como toalha de mesa
muitas vezes coarada
na grama fria

meu tecido resiste
guardo certa utilidade
atendo a necessidades
ainda sirvo a piqueniques

manchado pelo café de manhã
dobro-me sempre à tarde
numa gaveta qualquer

bebo pranto na madrugada
e ao estender meus vincos
não acolho mais a graça de uma
taça de champanhe revirada

idoso infante
em mim vivem meus pais
e aquele meu irmão
tatuados na garganta

e tudo mais não passa
de vida imaginada
de fome ambulante
imersa em verde-esmeralda



Imagem: Bol Fotos, picnic

terça-feira, 6 de novembro de 2012

SOBRE O ÓDIO



Ainda há quem utilize a mídia para afirmar ódio a outras pessoas. E afirmar-se como guerreiro de uma causa que julga justa e motivo de vida. Eu contra os outros. Meu valor contra o desvalor dos outros. Minha afirmação face à negação dos outros.

Século XXI, ano XII. Pós tudo. Tempo de acúmulos, de diversidades, de tolerância, de convivências, de rupturas. Tempo de novas buscas, de alternativas muitas, de espíritos livres.

E ainda há quem vem a público dizer de ódio a outras pessoas. Como se a atitude diferente ou indiferente, ao que se pensa e se faz, justifique a pronúncia do ódio. Pois quem assim diz nega a possibilidade de aproximação ou de mudança, pelo menos do outro, pois a si mesmo demonstra a impossibilidade. Odeio, e fim.

Não terei a oportunidade, e ainda bem que assim é, de perguntar Ao Que Odeia outros seres humanos como os trataria caso tomasse o poder. Submissão pelo terror, prisão perpétua, paredão, uma sibéria tropical?

Dez segundos de reflexão nos indicam a longínqua origem desse tipo de sentimento. Sede de poder, sede de sangue, um certo tipo de sociopatia que ideologias extremistas dão colorido e sabor.

E que insistem, ainda, a destilar ódio nas páginas dos jornais.

O bem primordial do ser humano é a liberdade. Ódio é a não aceitação da liberdade do outro, é a confissão mais clara de que suas ideias não possuem nenhum valor que as sustentem, de que a simples existência do outro implica no seu próprio desmascaramento.

Eu nao odeio Aquele Que Odeia. Apenas me apiedo e dele me acautelo.



Imagem: Bol Fotos, convivência.