terça-feira, 30 de setembro de 2014

ÂNGELO SOBRAL DESCE AOS INFERNOS, RUY ESPINHEIRA FILHO


Uma joia lapidada depois de três décadas de existência. 
A obra de Ruy Espinheira Filho não para de me surpreender: "Ângelo Sobral desce aos infernos" ressurge com vigor contemporâneo e sabor clássico. E cheiro bom de novidade.
Um romance breve que consegue abrigar vários mundos, personas e vidas distintas, tudo aprisionado em tensão na memória do protagonista/escritor.
Ângelo Sobral se vê só, repentinamente, viúvo. Ainda há fios que o prendem e o movimentam no território social: uma filha, netos, amigos, o milagre de um editor. E ainda há a literatura e suas possibilidades. 
Sobral, então, escreve. E o leitor o acompanha nessa pulsão de busca e configuração de seres e vivências, e de si mesmo, que o autor assim sintetiza: "Eles sou eu, eu sou eles, e somos cada um e todos os seres humanos, e somos singulares." 
Ontem mesmo Amadeu e Rosa foram notícia na mídia nacional: o amor envelhecido levado ao extremo desespero de vida e sonho que se esvaem abandonados e que escorregam à revelia para o horror das perdas.Tude e Cão possuem milhões de clones em cada esquina do subdesenvolvimento e, no entanto, luzem de forma única e inesquecível na narrativa. E Lara me levou até Iara Iavelberg a ler cartas de seu amado guerreiro, carregando no ventre um rebento fadado a um destino trágico antes mesmo de nascer. Esses e aqueles tempos que jamais passam em nós.
Ruy constrói neste romance mais um painel lírico-dramático da travessia turbulenta que todos nós fazemos ao existir sob o Sol. 
Ao refletir sobre essa jornada, Ângelo Sobral entrega com generosidade ao leitor o produto final de sua luta como homem, como criador preocupado com seus personagens, como artista que desce aos seus infernos e de lá retorna com o ramo de ouro: a literatura em sua grandeza. 
Uma obra de mestre, sem dúvida.



Ângelo Sobral desce aos infernos
Ruy Espinheira Filho
Giostri Editora/SP (www.giostrieditora.com.br)
Preço: R$ 32,00
À venda na Livraria Cultura, Salvador Shopping

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

OLHO MORTO AMARELO, BRUNO LIBERAL



     O livro de contos "Olho morto amarelo", de Bruno Liberal, foi o vencedor do I Prêmio Pernambucano de Literatura, em 2013. O autor é goiano de nascimento, estudou Economia na UEFS, em Feira de Santana, e mora e trabalha em Petrolina/PE. O concurso teve 191 obras inscritas nos gêneros romance, conto e poesia. Liberal explicou, em sua palestra na FLICH, em Lençóis, que seu livro venceu no segmento Sertão e foi o grande vencedor também no âmbito estadual. Este é o segundo livro do autor. O primeiro, também de contos, foi lançado em 2012, "Sobre o tempo". "Olho morto amarelo" foi publicado pela Companhia Editora de Pernambuco/CEPE. Abaixo um trecho de um dos seus contos.

CARO PEDRO

     Ela senta muito perto dele.
     Perto da cara dele.
     Pega em sua perna tranquilamente, porém com força.
     Olha-o com aqueles olhos enormes e verdes.
     Olhos imperativos.
     E pergunta com sua voz grossa, rouca: "O senhor quer uma chupada?"
     Ele fica afásico. Não sabe como se comportar.
     Ele, um senhor de setenta e quatro anos. Tomando normalmente seu café da tarde e lendo um livro, como fazia todos os dias naquela hora.
    A mulher sentada à sua frente é muito bonita. Usa uma maquiagem suave que realça seus enormes olhos verdes. Gulosos. Desses que encaram a morte para intimidá-la. Veste um shortinho jeans curto e uma blusa de seda vermelha. Nas unhas, uma coloração alaranjada, estranha. Era loira pintada. Dava para perceber nitidamente. Não parecia puta.
     "Não entendi, querida", responde depois de certo desconforto.
     "Uma chupada, meu tio. Bem gostosa."
     Provavelmente ele nunca imaginou que naquela idade receberia uma proposta dessas. Não estava acreditando no que a jovem dizia.
     Ele disse: "Quem não quer?"
     Ela ri mostrando um dente torto.
     "Eu sou velho", ele continua.
     "Estou vendo."
     "Não se importa?"
     "Já me importei mais. E então?"
     "Quanto custa?"
     "Cinquentinha", ela diz olhando para baixo. Perdendo sua confiança. Quase com vergonha.
     Ele ri mostrando que está mais à vontade.
     "Achei barato. Você não é... hã, você sabe..."
     "Traveco?"
     "Isso... é difícil distinguir hoje em dia..."
     "Todo mundo pergunta por causa da minha voz grossa. Não se preocupe."
     "Quantos você já fez hoje?"
     "Nenhum. Você vai ser o primeiro."
     "Está falando sério?"
     "Cinco."
     "Ah!"
     "Vai ou não vai?"
     "Não gosto que mintam pra mim."
     "Hum."
     "É que não gosto que mintam pra mim", repete.
     "O senhor vai querer ou não?"
     "Quero muito. Há vinte anos não recebo uma."

Tem muito mais dessa prosa ágil, contemporânea, destemida. Não li todos os contos, mas do que li, tenho apreciado bem o livro do Bruno Liberal. Adiante, comentarei aqui. Fica essa mostra, acima, para apreciação e estímulo para aquisição do livro.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

FLICH, TRECHO DA PALESTRA


"E por ter me atrevido a chegar a este ponto, vou buscar no prosador norte-americano que se tornou inglês, Henry James, um trechinho de "Os anos médios": "Trabalhamos no escuro - fazemos o que está ao nosso alcance - damos o que temos. Nossa dúvida é nossa paixão e nossa paixão é nosso ofício. O resto é a loucura da arte."

Trabalhamos no escuro. Fazemos o que está ao nosso alcance. Damos o que temos. Parece ser esse um conjunto primordial da atividade do escritor. O resto é a loucura da arte, o extrato em que é preciso atuar e alcançar como resultado. E para tanto, acredito eu, não deve ser suficiente ao escritor abrir o peito e despejar o que dele escorrer ou escapar, mas, sim, descer a nossas zonas mais sombrias, aos nossos infernos íntimos, em busca do ramo de ouro, para consagração de sua própria entrega à aventura da escrita, para a devida oferta a quem, por ventura ou desventura, vier a conhecer seu trabalho. Pois é fato que nossa dúvida é nossa paixão e nossa paixão, nosso ofício.

                                                 ****************

A mediação da mesa acabou sendo feita por Thiago Prado, poeta e professor da Uneb, pois o professor José Welton foi convocado a participar de uma outra mesa. A mesa também não contou com a participação do Emmanuel Mirdad que, por problemas incontornáveis de última hora, não pode comparecer.

Na plateia, marcaram presença uma parte dos alunos do Centro Educacional de Seabra, escola que agora me tem como padrinho literário. Mais tarde, no Café Literário, quando cometi o desastre de cantoriar a capela "A piaba e o tucunaré", entreguei aos alunos exemplares de meus livros, que serão estudados na escola. Uma visita minha está prevista para o final do ano ou começo do ano que vem, quando conversaremos sobre os livros e a literatura em geral. Um belo projeto da Uneb/Seabra, que encampei de imediato.

Tudo indica que a FLICH vai ficar no calendário de eventos culturais da Chapada Diamantina. Parabéns à professora Iranice e todos os que, com ela, idealizaram e organizaram a Festa Literária.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

A HORA TERNA DO CREPÚSCULO, RICHARD SEAVER



Na foto da capa do livro, Seaver é o cara de gola rulê, ao seu lado a esposa Jeanette, o barbudo é Allen Ginsberg, o velhinho sem chapéu, Jean Genet, e o de chapéu, William Burroughs. O flagrante foi feito numa daquelas caminhadas dos anos 1960. Uma bela escolha para a capa, que transmite bem o espírito da biografía desse editor norte-americano, responsável na Paris dos anos 1950 pela publicação de Samuel Beckett em inglês e, nos EUA dos anos 1960, pela publicação de Jean Genet, Burroughs, Borges, Henry Miller, muitos deles autores até então proibidos.

"Reconhecíamos que a publicação de livros é, por sua própria natureza, uma atividade de improvisação, onde devem reinar o faro e a intuição." Não precisa mais que isso para deixar claro que os tempos mudaram e os editores mais ainda. "Se sobrevivêssemos e pagássemos nossas contas e com sorte fizéssemos o certo pelos autores fiéis e antigos de nosso catálogo e apresentássemos novas vozes ao mundo, isso era bastante", resumiu Seaver.

A aventura de Seaver no mundo da tradução, edição e publicação de livros começou em Paris, no pós-guerra, quando ganhou bolsa para desenvolver sua tese sobre a obra de James Joyce. Com amigos, criou a revista Merlin, publicando literatura e ensaios em língua inglesa, para atender um público anglófilo cada vez maior na Europa em restauração. Ao descobrir Beckett, Seaver reconhece nele um autor mais importante que Joyce e se dedica a traduzir seus livros e publicá-los, e a acolher os novos autores que traziam à cena cultural novas linguagens e abordagens, os contestadores, por assim dizer.

Voltando aos EUA, continua seu trabalho de tradutor e editor, publicando autores estrangeiros cujos livros eram barrados na alfândega e enfrentando, por isso mesmo, batalhas judiciais espetaculares. Beckett, Genet, Burroughs, Miller, Ionesco, Octavio Paz, Cioran e muitos outros. Uma vida dedicada aos livros e ao enfrentamento da mentalidade vitoriana ainda presente na sociedade norte-americana, a revelar novos autores, a viver intensamente o seu trabalho. 


A hora terna do crepúsculo - Paris nos anos 1950, Nova York nos anos 1960: memórias da era de ouro da publicação de livros, de Richard Seaver, tradução de Cid Knipel, Biblioteca Azul, Editora Glogo, 2013.
Imagem da capa capturada no Bol Fotos.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

FLICH - FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DA CHAPADA DIAMANTINA



Sábado à tarde, dia 06.09, estarei ao lado dos escritores Emmanuel Mirdad e Bruno Liberal, participando de uma das mesas da FLICH - Festa Literária Internacional da Chapada Diamantina, em Lençóis. A mesa será mediada pelo prof. José Welton Santos Jr. e terá como tema "Cartografias da Literatura".

Na manhã do mesmo dia, Mônica participará de uma outra mesa, que terá como tema "Literatura, infância e subjetividade". 

A FLICH nasce com o propósito de acontecer anualmente, sob responsabilidade da Uneb, Ecoviva e Prefeitura de Lençóis. O evento abriga ações nas áreas de literatura, educação e cultura. Além das mesas de debate, acontecerão oficinas, shows, saraus, palestras, rodas de diálogo com escritores, lançamentos de livros e manifestações culturais. 

Vejam a programação e mais informações sobre a FLICH no endereço: www.flich.uneb.br.