quinta-feira, 11 de setembro de 2014

OLHO MORTO AMARELO, BRUNO LIBERAL



     O livro de contos "Olho morto amarelo", de Bruno Liberal, foi o vencedor do I Prêmio Pernambucano de Literatura, em 2013. O autor é goiano de nascimento, estudou Economia na UEFS, em Feira de Santana, e mora e trabalha em Petrolina/PE. O concurso teve 191 obras inscritas nos gêneros romance, conto e poesia. Liberal explicou, em sua palestra na FLICH, em Lençóis, que seu livro venceu no segmento Sertão e foi o grande vencedor também no âmbito estadual. Este é o segundo livro do autor. O primeiro, também de contos, foi lançado em 2012, "Sobre o tempo". "Olho morto amarelo" foi publicado pela Companhia Editora de Pernambuco/CEPE. Abaixo um trecho de um dos seus contos.

CARO PEDRO

     Ela senta muito perto dele.
     Perto da cara dele.
     Pega em sua perna tranquilamente, porém com força.
     Olha-o com aqueles olhos enormes e verdes.
     Olhos imperativos.
     E pergunta com sua voz grossa, rouca: "O senhor quer uma chupada?"
     Ele fica afásico. Não sabe como se comportar.
     Ele, um senhor de setenta e quatro anos. Tomando normalmente seu café da tarde e lendo um livro, como fazia todos os dias naquela hora.
    A mulher sentada à sua frente é muito bonita. Usa uma maquiagem suave que realça seus enormes olhos verdes. Gulosos. Desses que encaram a morte para intimidá-la. Veste um shortinho jeans curto e uma blusa de seda vermelha. Nas unhas, uma coloração alaranjada, estranha. Era loira pintada. Dava para perceber nitidamente. Não parecia puta.
     "Não entendi, querida", responde depois de certo desconforto.
     "Uma chupada, meu tio. Bem gostosa."
     Provavelmente ele nunca imaginou que naquela idade receberia uma proposta dessas. Não estava acreditando no que a jovem dizia.
     Ele disse: "Quem não quer?"
     Ela ri mostrando um dente torto.
     "Eu sou velho", ele continua.
     "Estou vendo."
     "Não se importa?"
     "Já me importei mais. E então?"
     "Quanto custa?"
     "Cinquentinha", ela diz olhando para baixo. Perdendo sua confiança. Quase com vergonha.
     Ele ri mostrando que está mais à vontade.
     "Achei barato. Você não é... hã, você sabe..."
     "Traveco?"
     "Isso... é difícil distinguir hoje em dia..."
     "Todo mundo pergunta por causa da minha voz grossa. Não se preocupe."
     "Quantos você já fez hoje?"
     "Nenhum. Você vai ser o primeiro."
     "Está falando sério?"
     "Cinco."
     "Ah!"
     "Vai ou não vai?"
     "Não gosto que mintam pra mim."
     "Hum."
     "É que não gosto que mintam pra mim", repete.
     "O senhor vai querer ou não?"
     "Quero muito. Há vinte anos não recebo uma."

Tem muito mais dessa prosa ágil, contemporânea, destemida. Não li todos os contos, mas do que li, tenho apreciado bem o livro do Bruno Liberal. Adiante, comentarei aqui. Fica essa mostra, acima, para apreciação e estímulo para aquisição do livro.

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