segunda-feira, 31 de julho de 2017

TWIN PEAKS, NETFLIX, DAVID LYNCH




Um Twin Peaks da terceira idade. 
Um desencontro no futuro, o mesmo clima onírico, o nonsense dramático, os típicos cenários e cenas que marcam a obra de Lynch.
Estou curtindo bastante acompanhar, a cada semana, um novo capítulo da série na Netflix.
Personagens idosos, intérpretes maduros, linhas narrativas perturbadoras.
Dale Cooper a assombrar a todos, em várias reencarnações.
O precioso tema musical de Badalamenti a embalar os créditos, a dar tom e ambiência ao espectador para o que virá, ou não.
E as oferendas musicais ao final de cada capítulo, no palco do Bang Bang Bar, sempre novidadeiras e muito interessantes. Tenho anotado os nomes das bandas e cantantes e, depois, pesquisado no Youtube. Só isso já vale a pena.
O estranhamento e a excentricidade configuram um realismo fantástico (ou seria surrealismo?, não sei bem) mais refinado e misterioso que na série original.
Agora não se trata de quem matou Laura Palmer, mas sobre o absurdo das permanências dolorosas, sobre o horror da barbárie humana cotidiana, no mais das vezes encapada pela singeleza e por uma ternura de navalha.
A nova série Twin Peaks está mais para redemoinho de neve no túnel do tempo.
Uma beleza.

sexta-feira, 14 de julho de 2017

A NOIVA JOVEM, ALESSANDRO BARICCO




     O mais recente livro do Baricco publicado no Brasil, "A Noiva jovem", eleva a alturas olímpicas minha admiração pelo trabalho desse escritor italiano. Topei na leitura com alternância de voz narrativa, que ouso praticar em minha prosa, num nível eletrizante e fluido - não simplesmente do narrador onisciente para um dos personagens, mas, também, de personagem para personagem, com mestria e elegância. E com pequenos manifestos teóricos, dignos de destaque. Bacana. A história de "A Noiva jovem", no que me pareceu inevitável, enfrenta o tema sexo com a justa ousadia que o assunto requer, costurado com lirismo e inventiva típicos do autor. E, ainda, para finalizar este breve comentário, com um narrador principal, por assim dizer, expondo suas dificuldades práticas enquanto pensa e escreve a história de uma extravagante família italiana no início do séc. XX. Depois de "Seda" e os mais recentes "Mr. Gwin" e "Três vezes ao amanhecer", este "A Noiva jovem" vem acrescentar uma galeria inteira de personagens e cenas inesquecíveis ao acervo de fantasia e poesia, que tudo indica inesgotável, de Alessandro Baricco e, por conseguinte, de seus leitores.

    Destaco um dos parênteses que o narrador abre na narrativa para teorizar sobre literatura e o trabalho que desenvolve, digamos, "diante" do leitor.

   "(Obviamente, paginazinhas como estas parecerão ao editor que se ocupará delas, dentro de alguns meses, totalmente inúteis e tristemente pouco funcionais ao decurso da narrativa. Com a educação costumeira, me sugerirá cortá-las. Já sei que não farei isso, mas desde o presente momento posso admitir não ter mais probabilidade de acertar do que ele. O fato é que alguns escrevem livros, outros os leem: sabe deus quem está na melhor posição para entender alguma coisa. O coração de uma terra se concede a quem a vê com adulto maravilhamento, pela primeira vez, ou a quem nasceu lá? Não se sabe. Tudo o que aprendi, quanto a isso, é resumível em poucas linhas. Escreve-se como se poderia fazer amor com uma mulher, mas em uma noite sem luz alguma, nas trevas mais absolutas, e portanto sem vê-la nunca. Depois, na noite seguinte, os primeiros que passarem irão levá-la para jantar, ou para dançar, ou às corridas, mas compreendendo desde o primeiro momento que não conseguirão sequer tocá-la, quanto mais levá-la para a cama. A todos falta um pedaço, e raramente o encantamento se descerra. Na dúvida, eu tendo a confiar em minha cegueira e a tomar por boa a memória da minha pele. [...])

   O sublinhamento é de minha autoria. Não só me identifico com o modus do narrador, como assim tenho dado minhas cabeçadas. E não vejo como ser diferente. Leiam Baricco, qualquer coisa, tudo, em especial este "A Noiva jovem", que tem tradução de Joana Angélica D'Ávila Melo, publicado pela Alfaguara, 2017.