quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

O CORAÇÃO É UM CAÇADOR SOLITÁRIO, de CARSON McCULLERS



   Sim, o coração é um caçador solitário. E eu lamento profundamente que esse título não tenha sido dado pela autora, mas pelo editor. O título que Carson McCullers havia escolhido para o seu manuscrito foi simplesmente "O mudo". Palmas para o editor, outros tempos.
   Aos 23 anos de idade, eu lutava com o fato de ser bancário, trabalhar à noite e cursar de dia uma faculdade que logo logo abandonaria. Aos 23 anos, Carson McCullers lançava seu primeiro romance, O coração é um caçador solitário, e deixava leitores e crítica embasbacados ao descobrirem que o Sul dos EUA não pertencia exclusivamente a Faulkner. E um ano depois, Carson sofria seu primeiro AVC, o que a levaria a morte aos 50 anos. 
    Vejo sua foto no livrete que a TAG encaminha junto ao livro do mês: rostinho de adolescente com jeito de comediante, narizinho arrebitado, cabelos curtos. Tez branca. E vejo a grandeza do inexplicável. Pego outro livro dela, A balada do café triste, publicado pela José Olympio Editora, e nesta tarde quente de quinta-feira não há como evitar a emoção, dá pra sentir "a fluida e interminável passagem da espécie humana pelo interminável curso do tempo. E daqueles que trabalham e daqueles que  - numa palavra -  amam."
    Não há beleza que se esconda para sempre. Escritora dos excluídos, dos diferentes, Carson McCullers deve ser leitura obrigatória para quem acredita que a força dominante precisa ser confrontada com a potência das minorias. Mr. Singer é qualquer um de nós que sofre por seu igual ou seu igual na diferença. Mr. Singer não tem voz, mantém suas mãos nos bolsos a maior parte do tempo, pouco entende do que lhe dizem, mas é o homem em sua plenitude, todos lhe procuram, a todos acolhe. "Ela examinou o coração do homem com uma capacidade de entendimento... que nenhum outro escritor pode desejar superar", disse T. Williams.
     Li os contos de A balada do café triste e depois enfrentei o maravilhoso romance O coração é um caçador solitário. E, sim, essa garota branca e adoentada soube escrever sobre os destituídos, em especial, os deficientes e os negros do sul norte-americano de forma magnífica. Concentrada no humano, McCullers, no meu modestíssimo entender, supera Faulkner, se não por extensão, por concentração de dor, esperança e compaixão.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

RITOS, de NICANOR PARRA




Cada vez que regresso
A meu país
                  depois de uma longa viagem
A primeira coisa que faço
É perguntar pelos que morreram:
Todo homem é um herói
Pelo simples fato de morrer
E os heróis são nossos mestres.

E em segundo lugar
                               pelos feridos.

Só depois
               não antes de cumprir
Este pequeno rito funerário
Me considero com direito à vida:
Fecho os olhos para ver melhor
E canto com rancor
Uma canção do começo do século.


Ritos, de Nicanor Parra, extraído de Para maiores de cem anos, antologia (anti)poética com seleção e tradução de Joana Barossi e Cide Piquet, publicada em edição bilingue pela Editora 34, em 2018.






sábado, 12 de janeiro de 2019

PELÉ E GARRINCHA




   

   no dia seguinte ao que nasci
   numa gasta cama de varas
   no distante Brundué,
   pela vez primeira
   jogaram juntos na seleção
   aqueles que foram Garrincha e Pelé

   tudo fizeram por nove anos
   (quarenta partidas, nenhuma derrota)
   para que eu fosse digno e feliz

   por eles eu nada fiz,
   além destes versos tacanhos