segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

O BOSQUE SEM SAÍDA, de XAVIER RODRIGUEZ BAIXERAS

      Nosso amigo Baixeras despachou de Vigo, Galícia, Espanha, onde reside, seu novo livro, "O bosque sem saída". Um volume de poemas em duas partes: 1) Sair do gris, reunindo poemas de 2015 a 2017, e 2) O bosque vazio, com poemas de 2018/19. Na primeira parte, encontramos um bloco de poemas "baianos", por assim dizer, pois claramente inspirados por cenários e episódios vivenciados em suas passagens por nossa terrinha, em longas e repetidas férias de verão. Em um dessas nos conhecemos e o Baixeras tornou-se partícipe dos encontros no Ceasa do Rio Vermelho, em torno dos poetas Ruy Espinheira Filho e Florisvaldo Mattos. Bons e belos tempos!

      E na parte "baiana" do livro, assenta-se "O milagre da fruta-pão", dedicado ao final a Uaçaí Lopes e a este que ora faz este registro.

O MILAGRE DA FRUTA-PÃO

         Os sobrinhos de Justino brincavam com bois de fruta-pão (Herberto Sales)

Percorri o mercado buscando a fruta-pão,
sabendo que servira de brinquedo
em certa infância ignota. Fui buscando,
buscando a fruta-pão.

Percorri com alguém que conhecia a fruta
e que foi inquirindo, e respondiam:
não tem infância, mas sigam sigam
buscando a fruta-pão.

E meu guia falando que, uma vez cozinhada,
é grosseiro arremedo de batata,
que era estranha aventura essa de andar
buscando a fruta-pão.

E então me perguntou: de onde tirou, amigo,
que tal fruta foi um dia brinquedo,
que andaram as crianças pela rua
buscando a fruta-pão?

Respondi que era certo, que fora fruta mágica,
que as crianças a viram como um boi
e que agora eu voltava a esse delírio,
buscando a fruta-pão.

E as frutas percorreram devagar a calçada
com seus passos cansados e solenes,
e foram bois, e então já não segui
buscando a fruta-pão.

Em todas as barracas mexiam a cabeça,
como falando: disso não vendemos.
Há tempo que ninguém chegou aqui
buscando a fruta-pão.

                   Para Uaçaí Lopes e Carlos Barbosa