segunda-feira, 28 de março de 2016

PARABÉNS, SALVADOR!


   Por seus feriados, que a deixam transitável.
   Pela batida do afoxé.
   Pelo "camarão a Joel" do restaurante Donana.
   Pelo sorvete de ameixa d'A Cubana.
   Pelo Dique que se reinventa aprazível.
   Pela carne de sol do Paraíso da Carne de Sol.
   Pelo surubim grelhado com pirão de surubim do Picuí.
   Pelo samba reggae e seus outros ritmos.
   Pelo arroz de polvo e a carne seca com farofa d'água da Confraria do França.
   Pelo Colégio Central onde estudamos tantos de nós interioranos.
   Por suas árvores ainda de pé.
   Pelos sucos do Paraíso Tropical.
   Por seu passado, já tão distante.
   Por sua madrugada morna.
   Por integrar a Bahia, grandeza maior, bem maior.
  

quarta-feira, 9 de março de 2016

TEMPO DE ESPALHAR PEDRAS, de ESTEVÃO AZEVEDO




   Uma narrativa fértil que trata de esterilidades.
   Ambientada num lugar não tão indeterminado assim, pois os riachos deságuam no Paraguaçu.
   O mais antigo sonho de riqueza alimentado pelo homem. Mas que a terra mil vezes revirada transforma em pesadelo coletivo.
   Uma fome que nada, nem ninguém, sacia. O brilho da pedra a cegar os homens; as mulheres, conformadas em seus postos históricos. Menos uma, talvez.
   Uma história de amor que se realiza no capim, numa toca imunda e na bala.
   Segredos costuram o destino desses homens e mulheres que escavam o chão e a si mesmos com sanha animal. Rolam no mato e no piso pedregoso, em busca de gozo e em duelos sangrentos.
   A morte sendo a única saída para a maioria; escapa vivo quem possui dinheiro e quem, no outro extremo, nada possui além de um tesão incontrolável.
   Um alento para o romance contemporâneo brasileiro.
   Uma prova de que nem tudo está perdido em nossa literatura.
   De que há prêmio para quem narra aquilo que pede para ser narrado, sem se importar com temas que o gosto de nossa época, a mídia e as pesquisas de mercado apontam.
   Uma linguagem derramada, mais que adequada à história. As notas rosianas e herbetianas ressoam  brilhantes e lembram, e bem, que o meio rural brasileiro possui diamantes eternos, alheios aos modismos, ao bestialógico que tem assaltado as livrarias e mentes descuidadas.   
   Amém.



"Tempo de espalhar pedras", de Estevão Azevedo, publicado pela Cosac Naify, em 2014. O livro foi vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura como "melhor romance de 2014".

  

domingo, 6 de março de 2016

BRASIL, PAÍS SOMBRIO


   Deitado eternamente na sombra.
   Evita câncer de pele e garante o afago da brisa.
   E nenhuma fotografia sai boa o bastante.
   A mão boba se move impunemente.
   Não se sabe jamais se a direita ou a esquerda.
   Nem se à direita ou à esquerda.
   Intenções nascem, crescem e morrem sem dar frutos.
   Prolifera apenas o sombreamento.
   Tudo muito quieto, o barulho fica do lado de fora, ao sol.
   Ninguém sabe bem quem faz o quê, onde e quando.
   Sabe-se muito pouco sempre do passado.
   Vê-se quase nada do presente.
   E o futuro aparece em slogans e frases feitas.
   Da sombra se vem, na sombra se vive e, vez em quando, se morre.
   Quem algo faz pensa fazer outra coisa.
   Quem nada faz desconhece o que na sombra se engendra.
   Na sombra reside o melhor filtro solar.
   Sair da sombra não se cogita.
   Na penumbra, in dubio, safado.
   Por conta alheia, res publica.
   A verdade não passa de um lusco-fusco, de um fio.
   Tudo o mais, sombrio.
 
  
  

terça-feira, 1 de março de 2016

MAGRELEZA, em OBSCENAS, de CARLOS BARBOSA



   Magrez sadia em cetim contida.
   Expressão justa de leveza ondulava envolvida
pelo tecido.
   Não simplesmente, não permanentemente.
   Seu contorno sutil retornava cruel, quando
parecia recolher-se.
   Assim pressionava o vestido uma proeminência
carnal, ora aqui ora acolá, a destacar uma faixa
de cores ou uma flor ali estampada.
   Vibração que se ausentava, momentaneamente,
no relaxar do passo.
   Ou, quem sabe, ao se dar por satisfeita em sua
exuberância fugaz.
   O vestido com ela dançava pela calçada.
   E pela calçada todos os sóis a iluminavam.



Extraído de "Obscenas", livro de minicontos publicado pela P55 Edições, em 2015.