domingo, 31 de março de 2019

AS MARGENS DO PARAÍSO, de LIMA TRINDADE




     O primeiro lançamento foi ontem, na livraria LDM, daqui de Salvador. Outros lançamentos virão em Brasília, Rio de Janeiro e Porto Alegre, e mais que a memória me falta. Em tempos nublados, Lima Trindade viaja ao período de construção da capital federal, onde nasceu, para acompanhar a jornada de três personagens. Estou começando a leitura, mas já deixo aqui um aperitivo:



    [...] O movimento nas escadas é nervoso, pois o elevador está sempre em manutenção. Ninguém reclama. Estão acostumados. Passa noite atrás de noite e o cartaz de aviso continua preso à porta enferrujada. De qualquer forma, estou me lixando se o elevador funciona ou não. Tirando o velho Ápio, não vou muito com a cara de ninguém por aqui. No fundo, quero mais é que o Frederico Ribeiro se exploda. Só não mudo de colégio, não me arranco de uma vez por todas, por causa da maldita bolsa. Só por isso. Não fosse por ela, tava noutra. Bom, mas bom mesmo, seria estar no apartamento da Janete, tomar banho de banheira e foder até não aguentar mais.



As margens do paraíso, de Lima Trindade, publicado pela CEPE Editora, 2019.

sábado, 16 de março de 2019

LÉXICO FAMILIAR, de NATALIA GINZBURG






     Um livro especial, uma biografia familiar para ser lida como romance, na sugestão da própria autora. Vida real, nomes reais, mas todo mistério que cerca o viver submetida, no caso, a um pai dado a rompantes autoritários e em um tempo de afirmação do fascismo na Itália. Contra o qual, diga-se logo, a família se posicionou e, por conta disso, sofreu duras consequências. 
     Natalia Ginzburg quase nada relata de sua própria vida no seio da família: é o olhar, a escuta e a memória que fixa e nos entrega nesse livro os fazeres e dizeres de uma família italiana de origem judia nos duros tempos do fascismo. Com uma preocupação nítida em recuperar o linguajar praticado pelos pais, irmãos, parentes e amigos, frases e expressões que representam chaves emocionais instantâneas e eternas.
     O Ginzburg, Natalia ganhou quando se casou com Leone, amigo de seus irmãos e companheiro de luta política, que morreu na prisão, deixando-a com três filhos, um deles o renomado historiador Carlo Ginzburg. Natalia Ginzburg trabalhou na famosa editora Einaud, ao lado de Cesare Pavese e Italo Calvino, figuras que aparecem no livro em passagens marcantes.
       Trechos:
     Meu pai voltava para casa sempre furioso, por ter encontrado no caminho cortejos de camisas-negras; ou por ter descoberto nas reuniões da faculdade novos fascistas entre seus conhecidos: - Palhaços! Safados! Palhaçadas! - dizia, sentando-se à mesa; batia o guardanapo, batia o prato, batia o copo e bufava de desprezo. [...]
     Meu pai, quando morria uma pessoa, acrescentava imediatamente a seu nome a palavra "finado"; e ficava bravo com minha mãe que não fazia o mesmo. Esse do "finado" era um hábito muito respeitado na família de meu pai: minha avó, referindo-se a uma irmã falecida, dizia invariavelmente a "finada Regina" e não a evocava de outro modo. [...]
      Quanto à minha mãe, ela era de índole otimista e esperava algum belo golpe de cena. Esperava que um dia alguém, de algum modo, "derrubasse" Mussolini. Minha mãe saía, de manhã, dizendo: - Vou ver se o fascismo continua de pé. Vou ver se derrubaram Mussolini. - Recolhia alusões e boatos nas lojas, e tirava disso auspícios animadores. 

Léxico familiar, de Natalia Ginzburg, com tradução de Homero Freitas de Andrade, prefácio de Alejandro Zambra e posfácio de Ettore Finazzi-Agrò, Companhia das Letras, 2018.