sábado, 28 de julho de 2012

O MENINO E EU


eu tenho dor, obrigações e conta bancária
ele tem fantasia e histórias pra contar

por isso me consumo em fortalecê-lo

quando eu partir, ele continuará


quarta-feira, 25 de julho de 2012

CONVERSA NA SICÍLIA, ELIO VITTORINI


 http://www.livrariascuritiba.com.br/Imagens/Livros/Normal/LV159177_N.jpg

Li, em maio, este livro impressionante, cuja capa está acima estampada. Andei (e ainda ando) meio troncho, o que, por certo, me fez esquecer de contar aqui o quanto é maravilhoso o conto de Elio Vittorini, publicado originalmente em 1937, e aqui no Brasil, em edição da Cosac&Naify, em 2002, com tradução de Valêncio Xavier e Maria Helena Arrigucci. 

Comprei meu exemplar no sebo Messias, na praça João Mendes, atrás da Catedral da Sé, na cidade de São Paulo, por conta de uma conversa rápida com o vendedor, a quem perguntei sobre livros de Alessandro Baricco. "Quem?", espantou-se o homem. Ao que lhe respondi: "O melhor romancista italiano da atualidade, Baricco", esclareci. Para ouvir do vendedor que Baricco ele não conhecia, mas que o melhor escritor italiano, no seu entender, era "este aqui", puxando "Conversa na Sicília" de uma prateleira. O que podia eu fazer, do fundo da minha ignorância vittoriniana? Abri o livro e li o primeiro parágrafo:

"Eu, naquele inverno, estava tomado de furores abstratos. Não direi quais, não é isso que me proponho a contar. Mas é preciso dizer que eram abstratos, nada heroicos, nem vivos; de qualquer maneira, furores pelo gênero humano perdido. Vinha assim há muito tempo, e andava cabisbaixo. Via manchetes nos jornais sensacionalistas e abaixava a cabeça; estava com os amigos, uma hora, duas horas, e ficava com eles sem abrir a boca; abaixava a cabeça; e tinha uma moça ou uma mulher que me esperava, mas nem com ela eu trocava uma palavra, mesmo com ela eu abaixava a cabeça. Chovia o tempo todo, passavam-se os dias, os meses, e eu tinha os sapatos furados, a água me entrando nos sapatos, e não era mais nada que isso: chuva, carnificinas nas manchetes dos jornais, e água nos meus sapatos furados, amigos mudos, a vida em mim como um sonho surdo, e não-esperança, calmaria."

Depois, em casa, febril, segui o protagonista em sua viagem do centro da Itália à Sicília, para visitar a mãe esquecida, por conta do seu próximo aniversário, espicaçado que foi por uma carta do pai fujão e de um cartaz que anunciava a viagem a preço módico. O homem viaja e conversa com quem topa pelo longo caminho e, principalmente, com sua velha mãe e moradores do lugarejo em que nasceu e viveu a infância. Quem está perdido, o gênero humano ou o mundo em que ele labuta pela vida? O que fizemos, o que fazer?

Belo, emocionante, fundamental.

domingo, 22 de julho de 2012

AÇO

 http://www.i-italy.org/files/consulate_events_thumbnails/Avallone_1299309759.jpeg

Concordei com Mayrant Gallo quanto à impressionante primeira página do romance: verão operário, duas adolescentes amigas na praia, um adulto a espiar por um binóculo, o adulto sendo pai de uma delas, perturbado pelo corpo seminu da filha.

Ganhei um exemplar de "Aço" de presente; sempre  Ela, atenta ao meu olhar.

Enfrentei a leitura de "Aço" (primeiro romance da jovem escritora italiana Silvia Avallone, finalista do Strega e vencedor do Premio Campiello Opera Prima, em 2010, lançado aqui no ano seguinte pela Alfaguara, com tradução de Eliana Aguiar) na esperança de receber o que a autora promete na famosa primeira página; não sequências de sexo incestuoso, mas um texto que mantivesse a qualidade literária ali presente.

Ao final, a primeira impressão não se confirmou. Mas a autora deu toda pinta que tem muito a oferecer à literatura italiana contemporânea. Avallone possui olhar aguçado e atento para o drama social e soube captar bem, em "Aço", o desespero instalado na vida das pessoas pela ausência de perspectiva de ascenção social. E, também, ter a consciência de que o que mais importa ao ser humano não é o carro do ano ou o emprego ideal, mas o encontro (ou reencontro) do grande amor, aquele que é neblina e asa, mesmo quando esse amor (ou a ideia de amor) seja apenas pretexto para censuras e espancamentos diários. A vida quase sempre é corda de aço desfiada, e só é vida porque se pode contá-la e cantá-la. E que o sonho de quem vive a dureza do aço, por incrível que pareça, pode ser apenas passar um dia na ilha de Elba. 



Imagem: Bol Fotos, a autora e a foto da edição italiana.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

O POSTE DE FERRO



o poste de ferro cantava
quando nele a gente batia
toda vez que passava
no caminho da escola

o poste de ferro era
um violão sem cordas

no retorno
o poste ainda cantava
uma canção aflita
de órfão desnudo
no areão fincado
desligado do mundo

o poste de ferro aguardava o toque
todo dia
para lembrar do tempo em que ao telégrafo servia
de que ainda era ferro
e mesmo assim morria

quarta-feira, 18 de julho de 2012

COMO FICAR SOZINHO

O título acima é também o do novo livro de ensaios do Jonathan Franzen que leio desde o domingo. Não li ainda nenhum dos aclamados romances do autor, começo a conhecê-lo pelos ensaios desse livro. Estou ali pelo meio da jornada, acompanhando-o em observações de pássaros na China, onde foi conhecer fábricas de bichinhos de pelúcia que encapam tacos de golfe, algo assim inimaginável, para mim, até começar a leitura. Capas de tacos de golfe!? Mas é mesmo sobre nada que um grande autor exibe melhor seu talento. 


E o Franzen demonstra em "Como ficar sozinho" ser um excelente escritor. Soube que na Flip deste ano o acharam chato, muito por não se entregar ao show business da festa. Franzen acordou cedo, no dia de sua mesa, e foi observar pássaros nos arredores de Paraty, chegando no local da palestra arrastando uma pesada mochila e de jeans. O que, parece, horrorizou a seleta plateia. Gostei do Franzen, de cara, somente por esse episódio. E já se sabia que Franzen prefere que não lhe façam as clássicas perguntas sobre influências, autores preferidos, processo criativo etc., essas obviedades que clamam por respostas igualmente óbvias.

O ensaio "O cérebro do meu pai", até agora, foi o que mais me tocou: duro, minucioso, doloroso, literário. Franzen reproduz trechos de cartas de sua mãe reclamando do Papai e do tormento de sua "longa doença". O pai de Franzen morreu de Alzheimer, o que permite ao autor escarafunchar os diversos aspectos da doença e de sua evolução no caso paterno. 

Adiante, contarei mais desse ótimo livro, que traz na capa uma agenda, livros, frutas e fitas de video. Faltou o cinzeiro do Franzen, mas é compreensível.

domingo, 15 de julho de 2012

A PORTA NO CHÃO



há duas portas em meus olhos
do tipo corta-fogo

há uma dura mão-de-pilão
em meu coração

e minhas mãos colhem
toda manhã
o orvalho que cobre meu peito

há sempre uma porta no chão,
meu eterno tropeço


Repito aqui este poema por gostar de sentir sua vibração. Brotou naturalmente depois de assistir ao filme "Provocações", com Kim Basinger e Jeff Bridges, baseado em romance de John Irving, alguns anos atrás. Coisas assim acontecem para nos mostrar melhor a nós mesmos.

Imagem: Bol Fotos  

sexta-feira, 13 de julho de 2012

CIRCUITO

Meu circuito Elizabeth Arden passa longe de Roma-Paris-Londres-Washington e do frufru diplomático. Meu “Arden” consiste em idas e vindas a médico-farmácia-laboratório-hospital, numa desordem típica do tropicalismo. Sempre marcado pela incerteza quanto às “remoções”. Talvez isso explique um pouco minha falta de diplomacia no trato de questões fora do circuito. Talvez isso explique o fato de a literatura ocupar um espaço cada vez mais íntimo em minha vida. De eu desejar que a literatura seja o bem mais precioso a que me reservo. De eu querer me reservar, cada vez mais, para cumprir meu circuito com dignidade e para a literatura poder se instalar confortável em meu peito.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

LEITURA PÚBLICA DIA 12, QUINTA, 17h


Como podem ver no cartaz acima, sairei da loca na próxima quinta-feira, dia 12 de julho. Vou participar do Leituras Públicas, evento idealizado e produzido pela Núcleo do Livro e da Leitura, da Fundação Pedro Calmon. A leitura pública de textos pelo próprio autor é algo comum em outras plagas, mas raro em nossa terrinha. Daí ser merecedora de aplausos e de participação a iniciativa. 

Quem quiser ouvir um trecho do romance "Beira de rio, correnteza" e, se der tempo, outros textos de minha autoria, é só aparecer na Biblioteca dos Barris, a partir das 17h. A mediação será do escritor Dênisson Padilha. Até lá, pessoal.

domingo, 8 de julho de 2012

TEMA PARA MEDITAÇÃO

"A literatura passou a desandar depois que os autores passaram a ser vistos", disse na Flip o Enrique Vila-Matas, escritor espanhol, autor do excepcional "Dublinesca". (Leiam mais a respeito no blogue "Livros etc", link ao lado).
O show da vida. Tudo virou show: do intervalo das transmissões esportivas a uma falação de escritor. Dizem agora que o escritor precisa ser midiático, ou seja, um artista capaz de atuações em palcos e estúdios de tevês, capaz de agradar pessoalmente, de ser simpatiquinho.
Largo aqui o tema para meditação. E dou meu pitaco, claro.
Cada um faz da sua vida o que bem entender, o que achar melhor pra si, premissas básicas.
Eu penso que importo muito pouco. Gostaria que a literatura que produzo importasse alguma coisa para alguns e para a entidade "literatura brasileira". Gostaria.
Mas parece viger a regra que impõe a necessidade de o escritor "aparecer" para que seus livros possam ter mercado. E ter mercado parece, também, passou a ser tudo que importa. Profissionalismo.
Não sou um escritor profissional, não quero ser um a lutar por espaço no mercado. Estou em minha literatura, mas não sou a literatura que produzo. Sou dos que preferem viver quieto em sua loca.
Tenho dito, sem nenhum laivo de rispidez, que a um convite para falar a alunos de Letras (que nunca leram nada que eu tenha escrito) prefiro que o professor adote um texto meu em sala de aula. E ouço, aqui e ali, que, se eu falar aos alunos, meus livros serão por eles lidos. 
Duvido, em letras garrafais.
À literatura vai aquele que a ama. 
Para escrever bons livros, não me parece necessário ser bom ator. E é só isso que gostaria de fazer: escrever bons livros.
Mas, ao que tudo indica, eu me equivoco sobre o tema. O Vila-Matas deu seu show na Flip.