sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

12 PRA 13



Ô ano complicado... No fundo, igual a qualquer outro, passado ou futuro, amálgama de eventos, a régua inteira de 0 a 100. Em negativo, também.

Os fatos mais recentes acabam por conferir o tom a todo o ano. Então, fiquei com um sentimento cinza (nada a ver com os vários tons que empesteiam as livrarias) ao findar 2012. Algumas conquistas, grandes perdas, não o contrário.

Síntese: consegui acesso ao Adalimumabe e passei a ter constantes infecções respiratórias, prego e ferradura, cobertor de pobre. Adiante, veremos.

Minha mãe não respondia a "Como vai?" com um "Tudo bem!", mas com um "Vamos rompendo!".

Então, vamos rompendo, sem exclamação.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

QUEDA



ainda caminho
de lado
com as mãos na parede
para não cair

como fazia
na minha primeira infância
tão corroída na memória

eu caminho
de lado
para não cair
definitivamente em mim

SETENTA ANOS DE RUY ESPINHEIRA FILHO



O poeta maior da Bahia chega aos 70 anos de idade. 
Chega também às boas livrarias sua poesia completa (até agora), Estação infinita e outras estações, publicado pela Bertrand Brasil. O lançamento do livro será no ano que vem, mas já é possível adquiri-lo para presentear amigos no Natal.
Desde cedo, amigos e admiradores postam mensagens na internet parabenizando o poeta. Junto-me aos apreciadores da grande poesia e do ser humano iluminado que é Ruy Espinheira Filho, prestando aqui minha homenagem. 
Escolhi um poema de "Julgado do Vento" (1979, Civilização Brasileira), que demonstra a grandeza e a universalidade de sua poética:

OS BENS MAIORES

O que ficou
além do enlace
é o que mais foi
preso pelo gesto.

O que não foi
tocado é o que
deixou sua marca
mais nítida na mão.

A gaiola vazia
é onde habita
o que há de mais belo
em gorjeio e pássaro.


Parabéns, Ruy! E grato pela amizade e pelos sopros de sabedoria.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

QUESTÃO DE TEMPO


para brotar
para amadurecer
mudar, retornar, morrer

para crescer
para fazer
acertar, errar, retorcer

para fugir
para se esconder
calar, culpar, ceder

para trepar
para colher
dar, se estrepar, comer

para olhar
para lamber
raiar, luzir, solescer

para fluir
para escavar
interromper, ir-romper

em outro tempo
temperar, tempestar, tempesser

questão de tempo,
têmpera, temperança, tecer



Imagem: Bol Fotos, aurora boreal, Finlândia

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

TEMPO E POESIA NA ACADEMIA



Ainda dá tempo. Há poesia à sua espera.
Coordenado por Evelina Hoisel e Aleilton Fonseca, o evento discute na obra de Ruy Espinheira Filho a poesia e sua inserção no tempo. E é, também, uma homenagem ao escritor pelos seus 70 anos, que se completam agora em dezembro.
No primeiro dia, 27, Ruy esteve na mesa mediada por Antonia Herrera respondendo a questões formuladas por Carlos Ribeiro, Gerana Damulakis, Iacir Anderson Freitas e Gabriela Lopes. 
Ontem, 28, com mediação de Evelina Hoisel, foram apresentadas comunicações por Iacir Anderson Freitas (Perdas luminosas: memória e finitude na poesia de REF); Florisvaldo Mattos (REF: a poesia na marcha do tempo sucessivo); Alana de Oliveira Freitas (REF: arquitexturas do tempo e da memória); e Sandro Ornellas (O passar dos meses: notas sobre o tempo em REF).
E hoje, 29, a partir das 17h, com mediação de Aleilton Fonseca, o evento traz Miguel Sanches Neto que falará sobre REF: poesia como memória viva.
O encerramento, uma noite de autógrafos.
Ainda dá tempo. Há poesia hoje na Academia.
 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

NÁDIA ENCANTADA



Grande amiga.
Mulher de um grande amigo.
Mãe de muitos filhos não gerados.
Advogada, funcionária pública.
Cantora de voz belíssima, aprendeu a tocar violão para se acompanhar.
Levava este sorriso aí a todo lugar e a toda gente, leve.
Fazia a festa todo domingo de manhã no Lar dos Idosos, na Asa Norte.
Palavra serena e sábia, sempre.
Anfitriã generosa.
Grande amiga.

Estrela que aquecia muitos planetas.
Mãe de muitos filhos não gerados.
Ficou encantada no domingo, ascendente.
Estrela agora outro sistema.
Visível eternamente ao olhar dos que a amam.
.
Nádia, esperança, luz: encantada.

domingo, 25 de novembro de 2012

AMANHÃ, NA BATALHA, PENSA EM MIM, de Javier Marías




"Contei. Contei. E ao contar não tive a sensação de sair do meu encantamento do qual ainda não saí e talvez nunca saia, mas sim de começar a mesclá-lo com outro menos tenaz e mais benigno. Quem conta costuma saber explicar bem as coisas e sabe se explicar, contar é a mesma coisa que convencer, ou fazer-se entender, ou fazer ver, e assim tudo pode ser compreendido, até a coisa mais infame, tudo perdoado quando há o que perdoar, tudo passado por cima ou assimilado e até compadecido, isso aconteceu e é preciso conviver com o que aconteceu uma vez que sabemos que foi, buscar-lhe um lugar em nossa consciência e em nossa memória que não nos impeça de continuar vivendo porque sucedeu e porque o sabemos."



Destaco esse trechinho do romance "Amanhã, na batalha, pensa em mim", do Javier Marías, com tradução de Eduardo Brandão (Martins Fontes, 1997). É o primeiro romance do Marías que leio. E ainda não terminei. Deixo aqui o registro da melhor impressão que um texto ficcional pode firmar no leitor: único, profundo, multifacetado, pródigo, assim generoso, derramado e revirado, espremido em seu dobrar e desdobrar, em que a trama pesa mas nem tanto. Irei a outros, com certeza.



Imagem: Bol Fotos, bruma.

domingo, 18 de novembro de 2012

FEROCIDADE


Alguma coisa há de aterradora na atitude dos cães. 
Não uivam mais para a lua. Não latem quando diante deles os carros zunem. (Latem agora apenas para seus iguais.) Não se ouve mais ganidos nos becos ou quintais. Rosnam pelas calçadas, alguns. Uns outros, arfam desencontrados pelas ruas. 
Alguma coisa há de aterradora no silêncio dos cães.
Perambulam. Observam. Fuçam. Parecem fazer um cerco proposital aos parques e jardins. Ignoram assovios e palmas. Prosseguem focinhando o tempo. 
Alguma coisa de humano excede nos cães.




Imagem: Bol Fotos

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

POEMA DE BUKOWSKI


então você quer ser escritor?

se não estiver explodindo em você
apesar de tudo,
não faça.
a não ser que saia espontâneo de seu
coração e de sua mente e de sua boca
e de suas entranhas,
não faça.
se você tiver que passar horas
encarando a tela do computador
ou encurvado sobre sua
máquina de escrever
procurando palavras,
não faça.
se você estiver fazendo isso por dinheiro ou
fama,
não faça.
se você estiver fazendo isso porque deseja
mulheres em sua cama,
não faça.
se você tiver que sentar ali e
reescrever mais uma vez e mais uma vez,
não faça.
se der o maior trabalho só de pensar em fazer,
não faça.
se você estiver tentando escrever como outra
pessoa,
esqueça.

se você tiver que esperar até isso rugir em

você,
então espere com paciência.
se isso nunca rugir em você,
faça outra coisa.
se você tiver que ler primeiro para sua esposa
ou para sua namorada ou para seu namorado
ou para seus pais ou para qualquer um,
você não está pronto.

não seja como tantos escritores,

não seja como tantas milhares de
pessoas que se dizem escritores,
não seja chato e estúpido e
pretensioso, não se deixe consumir pela
vaidade.
as bibliotecas do mundo
bocejam até
dormir
sobre tipos assim.
não aumente isso.
não faça.
a não ser que saia de
sua alma como um foguete,
a não ser que ficar parado te
leve à loucura ou
ao suicídio ou assassinato,
não faça.
a não ser que o sol dentro de você esteja
queimando suas vísceras,
não faça.

quando for realmente o momento,

e se você for escolhido,
isso irá acontecer por
conta própria e continuará acontecendo
até você morrer ou isso morrer em
você.
não há outro jeito.

e nunca houve outro.


Charles Bukowski, com tradução de Fernando Koproski

Capturei este poema no blogue do Miguel Sanches Neto, que publicou um livro de contos com o mesmo título. Isso faz um tempo e eu já o havia esquecido em um arquivo word. Mas hoje o reencontrei e considerei oportuno publicá-lo aqui. Obviamente, para o deleite dos poucos leitores do Minicontos. A poética pregada por Bukowski no poema dispensa defesa ou enaltecimento. Nunca houve outro jeito de produzir arte, embora o pseudoprofissionalismo literário considere que o escritor, com diploma e tudo, seja capaz de produzir literatura a qualquer momento, a qualquer hora etc e tal. Tou com Bukowski.

domingo, 11 de novembro de 2012

COARADOR

Ninguém me chamou a atenção, mas faço o registro: a grafia correta do verbo é "quarar" e a do substantivo masculino é "quarador". 

Não sei por que escrevo "coarador", desde sempre. Já enfrentei revisões em que tive que alterar a grafia do vocábulo, por força do VOLP e de qualquer dicionário da língua portuguesa. 

Ou talvez eu saiba: pela beleza da palavra "coarador" face à feiura de "quarador". Quarador parece parte final de uma outra palavra, não um termo em si.

Quarar significar "branquear(-se) a roupa ao sol". Já o Aulete diz que quarador é um piso de cimento liso onde se coloca a roupa para corar. E indica a forma alternativa "coradouro". Vejam só: piso de cimento?! Esse pessoal...

Pois bem, em um próximo livro, caso utilize "coarador", assim por puro gozo, terei que submeter-me à alteração do revisor e à linha editorial, que será por certo brandida, para resgatar a grafia "quarador". Que seja. 

Mas aqui no blogue, onde escrevo, reviso e edito, continuarei a escrever "coarador", pois é palavra bonita, estendida feito roupa na grama, não em piso de cimento, a brilhar no horizonte das coisas corretas, apesar das regras legais.

E no poeminha aí abaixo, que provocou reações positivas, para mim inesperadas, o verso continuará sendo "muitas vezes coarada". Bem melhor assim, tenho certeza.



Imagem: BOL Fotos, lavadeiras de rio

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

IDOSO INFANTE



quando meu irmão morreu
aos quinze anos de idade
pensei que cedo também morreria

hoje sinto que sou
como toalha de mesa
muitas vezes coarada
na grama fria

meu tecido resiste
guardo certa utilidade
atendo a necessidades
ainda sirvo a piqueniques

manchado pelo café de manhã
dobro-me sempre à tarde
numa gaveta qualquer

bebo pranto na madrugada
e ao estender meus vincos
não acolho mais a graça de uma
taça de champanhe revirada

idoso infante
em mim vivem meus pais
e aquele meu irmão
tatuados na garganta

e tudo mais não passa
de vida imaginada
de fome ambulante
imersa em verde-esmeralda



Imagem: Bol Fotos, picnic

terça-feira, 6 de novembro de 2012

SOBRE O ÓDIO



Ainda há quem utilize a mídia para afirmar ódio a outras pessoas. E afirmar-se como guerreiro de uma causa que julga justa e motivo de vida. Eu contra os outros. Meu valor contra o desvalor dos outros. Minha afirmação face à negação dos outros.

Século XXI, ano XII. Pós tudo. Tempo de acúmulos, de diversidades, de tolerância, de convivências, de rupturas. Tempo de novas buscas, de alternativas muitas, de espíritos livres.

E ainda há quem vem a público dizer de ódio a outras pessoas. Como se a atitude diferente ou indiferente, ao que se pensa e se faz, justifique a pronúncia do ódio. Pois quem assim diz nega a possibilidade de aproximação ou de mudança, pelo menos do outro, pois a si mesmo demonstra a impossibilidade. Odeio, e fim.

Não terei a oportunidade, e ainda bem que assim é, de perguntar Ao Que Odeia outros seres humanos como os trataria caso tomasse o poder. Submissão pelo terror, prisão perpétua, paredão, uma sibéria tropical?

Dez segundos de reflexão nos indicam a longínqua origem desse tipo de sentimento. Sede de poder, sede de sangue, um certo tipo de sociopatia que ideologias extremistas dão colorido e sabor.

E que insistem, ainda, a destilar ódio nas páginas dos jornais.

O bem primordial do ser humano é a liberdade. Ódio é a não aceitação da liberdade do outro, é a confissão mais clara de que suas ideias não possuem nenhum valor que as sustentem, de que a simples existência do outro implica no seu próprio desmascaramento.

Eu nao odeio Aquele Que Odeia. Apenas me apiedo e dele me acautelo.



Imagem: Bol Fotos, convivência.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

ANINHA FRANCO, NA MUITO



A BAHIA E SEUS UMBIGOS

"Porque a coisa mais difícil de se obter na Baía é uma conversa com um baiano sobre alguma coisa que não seja ele próprio. Todos os problemas de um baiano estão no seu eu. Se ele achar que a sua alma colorida está limpa  -  e ele sempre acha!  -, pouco se lhe dá que as ruas da cidade estejam imundas. E atira coisas pelas janelas com empáfia. Sua última obra, seja o implante do dente de um cliente, seja uma causa jurídica, um livro, uma composição, é, sempre, motivo para conversas que só mudarão de tema com o surgimento de outra obra. Perfeita, como a anterior."


Extraido da crônica de Aninha Franco na revista Muito, encarte do jornal A Tarde, edição de domingo passado, 28 de outubro.. Há mais, indico a leitura e uma necessária, mesmo que breve, reflexão sobre o que diz lá.


segunda-feira, 29 de outubro de 2012

DIA NACIONAL DO LIVRO



Dia 29 de outubro, Dia Nacional do Livro.
Decidi, então, premiar com livros os abnegados leitores deste blogue.
São dois exemplares de cada título, oito no total.
O critério é simples: peça o exemplar pretendido em um comentário, indicando uma segunda opção.
Publicarei os comentários depois de esgotada a cota.
Os agraciados deverão enviar endereço postal para o meu e-mail: caobarbosa@bol.com.br.
 
Estes são os títulos:

1. A casa dos nove pinheiros - Ruy Espinheira Filho.

2. A dama do Velho Chico - Carlos Barbosa.

3. A segunda sombra - Carlos Barbosa.

4. Andrômeda e outros contos - Ruy Espinheira Filho.

Boas leituras a todos.

domingo, 28 de outubro de 2012

ESTAMPAS DO TEMPO



Domingo de eleição. Hoje, não voto.

Volto aos inseparáveis LPs.

Vital Farias, paraibano de Taperoá, cantou "Canção em dois tempos (Era casa, era jardim)" e "Caso você case", gravação do selo Polyfar, de 1985.

Hélio Contreiras, com sua voz mansa, abriu o leque de suas "Estampas Eucalol" (que Xangai tornou conhecida de todos), em gravação do selo Estilingue Invenções, de 1990.

Agora, deixo rolar o bolachão da Banda de Pau e Corda, "Redenção", canções que deram sentido a muitas noites de minha adolescência. Lembro do meu amigo Juazez, ao violão, "Maria tomando banho / nas águas claras do rio", passando várias delas na brisa do cais de Ibotirama. O disco é de 1974, da RCA Victor.

Clássicos.

E eu, que ainda me espanto com o lixo que cobre a superfície contemporânea, mergulho nesse mais profundo da alma nordestina. A beleza cavada na dor. A fartura ofertada pelos que nada possuem em volta de si mesmos, apenas jorram. Cada pingo um pote, como canta o Zé.




Imagem: Bol Fotos, bonecos do Metre Vitalino.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

A CASA DOS NOVE PINHEIROS, RUY ESPINHEIRA FILHO




Ruy Espinheira Filho comemora seus 70 anos com um novo livro de poemas: A casa dos nove pinheiros. O livro reúne uma seleção de poemas escritos no período 2009-2012, e sai publicado pela editora Dobra, de São Paulo. O aniversário de Ruy será em dezembro, mas, esbanjando generosidade e invertendo a lógica, entrega aos amigos desde já (não haverá lançamento do livro) um presente que é uma celebração emocionada de uma vida bem vivida, na qual afirma crer "que sempre fui feliz, / inclusive nos momentos em que me sentia / e me dizia / infeliz."

A imagem da capa mostra dois pinheiros maiores seguidos por sete outros, "nove pinheiros enfileirados / em curva suave, / do maior ao menorzinho, / representando / o pai, / a mãe, / os sete filhos / que ali moravam." Morava, essa família, em uma casa viva na memória do poeta e ainda de pé na cidade em que passou parte de sua infância, Poções. A foto da  capa, recortada para destacar o detalhe dos nove pinheiros, foi feita pelo filho do Ruy, o jornalista Mário Espinheira.

O poema que dá título ao livro diz dessa presença eterna da casa a habitar o poeta, mesmo tendo nela vivido por meses e não por décadas. Talvez pela particularidade dos pinheiros cravados na parede da varanda e o claro propósito de caracterizar aquela morada como permanente, e que culminou se tornando provisória no plano físico e olímpica no emocional. "Os pinheiros continuarão a lembrar / pai, / mãe, / sete filhos, / mesmo quando não restar sequer um deles / para sentir certo tempo, / respirar a casa, // como eu agora, / com antiga alegria e um sabor / de lágrimas."

Ruy Espinheira Filho tem afinado sua lira ao ponto de alcançar a simplicidade dos poetas maiores. Os versos encadeiam-se naturalmente, e o leitor experimenta a delícia do poema como um voo sem ruídos e turbulências, prenhe de ritmo e densidades várias. E ao pousar, ao final do último verso, terá feito então um percurso de emoção e sabedoria, que se repetirá no poema seguinte até o último do livro. Até uma nova leitura. 

Encerro este comentário com o quarto movimento do poema "Condição":

"Sim, novamente escrevendo.
Sem saber, como sempre, aonde estou indo,
se é que estou indo a algum lugar.

Às vezes me ocorre
que escrever é exatamente isto: ofício
de quem não sabe aonde ir.
E, como não sabe, tateia
na névoa
à espera de encontrar alguma coisa
que não só não sabe onde está
como não sabe o que é
e que talvez seja uma parte da alma que ficou perdida
na travessia
entre sombras ancestrais
e a vida."





quinta-feira, 27 de setembro de 2012

POEMA NUBLADO


as varandas foram feitas
para antenas parabólicas

as leis de trânsito,
para guardas municipais

todas as sobras,
ao preparo de delícias

e o passado, incrível,
está sempre em construção

domingo, 23 de setembro de 2012

AS PEÇAS DO RELÓGIO, DE THIAGO LINS



O lançamento do primeiro livro solo de Thiago Lins, "As peças do relógio", acontecerá na próxima quinta-feira, dia 27, na Livraria Nobel, em Feira de Santana. O livro de poemas foi publicado pelo selo Três por Quatro, da Editora Multifoco.

Versos poderosos, emoção pulsante, "belos e terríveis poemas", como frisou Ângela Vilma na apresentação. Seres diluídos por tapas constantes. As peças ao vento. Tudo que é sólido desmancha no ar, distante eco. Amarras e lâminas afiadas, a cada poema. Viver e morrer em anacronia. As horas, as ondas, as peças, as máscaras. Uma prova:

SOLITUDE

Solitário vivo
Solitário termino

Quem me fez imóvel
sob a terra esfacelada?


Já tenho meu exemplar autografado. Quem não puder aparecer no lançamento, pode adquirir um exemplar, entrando em contato com o Thiago Lins, pelo e-mail: hitchcock_1899@yahoo.com.br 


terça-feira, 4 de setembro de 2012

RINDO COM DEUS

Este é um post complementar. A música pode ser ouvida no blog "Estranhamentos" (link ao lado). A autora é Regina Spektor, cujo trabalho confesso pouco conhecer, mas que M. muito aprecia. A tradução foi capturada na web, mais informações não tenho aqui, agora. Achei bacana, corajosa, então deixo aqui o registro:

RINDO COM

 

Ninguém ri de Deus em um hospital
Ninguém ri de Deus em uma guerra
Ninguém está rindo de Deus quando está morrendo de fome, congelando ou muito pobre.


Ninguém ri de Deus quando o médico liga depois de alguns exames rotineiros
Ninguém está rindo de Deus, quando já é muito tarde
E é a sua criança que não voltou da festa ainda
Ninguém ri de Deus quando o avião começa a tremer incontrolavelmente
Ninguém ri de Deus quando vêem que a pessoa que eles amam
Está lado a lado com outra pessoa e eles esperam estar enganados


Ninguém ri de Deus quando a polícia bate à sua porta
E eles dizem: tenho más notícias, senhor.
Ninguém está rindo de Deus quando há fome, incêndio ou inundação.


Mas Deus pode ser engraçado
Em um coquetel quando você ouve uma tremenda piada sobre Ele
Ou quando os loucos dizem que Ele nos odeia
E eles estão com o rosto tão vermelho que você acha que eles vão engasgar


Deus pode ser engraçado
Quando dizem que Ele pode te dar muito dinheiro se você orar do jeito certo
E quando Ele parece um gênio que faz mágica como o Houdini
Ou concede desejos como o Grilo Falante e o Papai Noel
Deus pode ser tão hilário!
Ha ha
Ha ha


Ninguém ri de Deus em um hospital
Ninguém ri de Deus em uma guerra
Ninguém está rindo de Deus quando perde tudo o que tem
E não sabe pra quê


Ninguém ri de Deus no dia em que eles notam que estão vendo a última coisa que vão ver
É um par odioso de olhos.
Ninguém está rindo de Deus quando dizem "adeus".


Mas Deus pode ser engraçado
Em um coquetel quando você ouve uma tremenda piada sobre Ele
Ou quando os loucos dizem que Ele nos odeia
E eles estão com o rosto tão vermelho que você acha que eles vão engasgar


Deus pode ser engraçado
Quando dizem que Ele pode te dar muito dinheiro se você orar do jeito certo
E quando Ele parece um gênio que faz mágica como o Houdini
Ou concede desejos como o Grilo Falante e o Papai Noel
Deus pode ser tão hilário!


Ninguém ri de Deus em um hospital
Ninguém ri de Deus em uma guerra
Ninguém ri de Deus em um hospital
Ninguém ri de Deus em uma guerra
Ninguém ri de Deus em um hospital
Ninguém ri de Deus em uma guerra


Ninguém está rindo de Deus quando está morrendo de fome, congelando ou muito pobre.


Ninguém está rindo de Deus
Ninguém está rindo de Deus
Ninguém está rindo de Deus
Ninguém está rindo de Deus
Nós todos estamos rindo com Deus.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

MOMENTOS DA LEITURA, O PAÍS DO CARNAVAL, SÁBADO, 16h






No próximo sábado, a partir das 16h, no Museu Rodin, teremos esse "Momentos da Leitura" sobre o primeiro romance de Jorge Amado, "O país do carnaval". Fui escalado para essa mediação, como podem ver e ler no cartazete. Fica o convite. Até lá!


segunda-feira, 27 de agosto de 2012

DIAS FORÇADOS


Dias forçados em repouso.
Dias demais.
Sete passos ao banheiro, doze à geladeira.
Passos miudados.
Dias comprimidos. Sono continuado.
Eucapsulado.

Um movimento verde reavivador me alimenta.
Verde rosácea maçã.
Mãos lábios língua flor.
Dia demais repentino. Dia gozado.

No mesmo andor,
o dia forçado revira saneador.

Eulibertado preparo viagem.
Verde violácea imagem.
Delicioso corredor.








quinta-feira, 23 de agosto de 2012

ESCORPIÃO AMARELO, de KATIA BORGES


URGENTEMENTE

Eu dirigia de volta para a minha casa após o trabalho, o rádio ligado. Uma música qualquer em alto volume. Seguia pelas ruas da minha infância como quem anda numa esteira rolante e se cansa, sem avançar um único centímetro. E acelerava, para reduzir o percurso e chegar mais rápido. E sentia muito sono e o desespero latente que sempre me acompanham. E corria em direção a um destino que já não conseguia visualizar ou considerar como possibilidade. As casas e os prédios iam passando velozmente pela janela. E eu sentia que precisava de algo, de alguma coisa, sim, de alguma coisa, urgentemente. De repente, soltei o volante e fechei os olhos.


Terminei com um sorriso a leitura desse miniconto acima, e de outros também, do novo livro de Kátia Borges, "Escorpião amarelo", publicado recentemente pela P55, na coleção Cartas Baianas. O sorriso veio, e retornou, pelo prazer simples da leitura e pela identificação minha com o texto da autora, que transita com igual talento na poesia e na prosa. O miniconto deve brilhar como um jato de luz na escuridão, algo que ilumina, revela, dá pistas, mas que pode momentaneamente cegar, deixando para trás bolhas, risos e lágrimas; uma história, oculta ou não, potente, concentrada, dolorosa, hilária ou gozosa. 

Ao ler "Urgentemente", lembrei-me de imediato de "Sangue quente", do meu livrinho "A segunda sombra" (Multifoco, 2010), o episódio máxime no repente de uma curva, de um batida de rua, de um gesto impensado, uma cena de rua dramática e poética. Deparei-me com fartura de momentos assim em "Escorpião amarelo": picadas fertéis de boa literatura. Aproveito para devolver a Kátia Borges o que ela escreveu em 2007 em meu desativado blog "ContoSempre", comentando meu miniconto "Oásis": os contos deixam um certo gosto amargo, inquietante, angustiante no leitor. Maravilhoso que seja assim. Leitura que recomendo com entusiasmo.



Imagem: Bol Fotos

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

SONETOS ELEMENTAIS, de FLORISVALDO MATTOS




Depois de “Poesia Reunida e Inéditos” (Escrituras, 2011), Florisvaldo Mattos volta à cena editorial, agora com “Sonetos elementais – Uma antologia”. O lançamento será amanhã, dia 21, terça-feira, às 19 horas, na Livraria Cultura, 3º piso do Salvador Shopping. O novo livro tem apresentação de Myriam Fraga e sai pelo selo Caramurê Publicações.

Sobre "Sonetos Elementais", diz Florisvaldo Mattos: "Atendendo ao convite e à preferência por uma antologia de sonetos, ante o específico da edição, e para fugir ao insosso que rege esse tipo de coletânea, agrupei-a de forma arbitrária, inspirado na construção mítica dos quatro elementos da natureza, que por séculos dominou a mente dos antigos – o ar, o fogo, a água, a terra, nesta ordem -, cada um deles guiando a série, por seção, entre publicados e inéditos".

Fica aqui o convite para mais um encontro com a poesia de qualidade feita na Bahia. Amanhã, 21.08, terça-feira, à noite, na Cultura do Salvador Shopping. 

domingo, 19 de agosto de 2012

APENAS UM DIA




Um dia crucial a ser alcançado permanece ameaça, aviso posto em moldura ácida, tatuagem viva na memória, até mesmo, creio, depois de se tornar passado.

Um dia crucial assassina o tempo que o antecede, posto que tudo o mais pouco importa; interessa apenas alcançá-lo, inteiro, e dele obter sanidade e um passo mais andejo.

Amanhã será um dia assim, para mim: cruzarei o saguão do antigo hospital, seguirei por um corredor de mármores trincados, descerei dezesseis degraus e, num improvável subsolo, talvez chova um tiquinho em meu futuro. 



Imagem: Bol Fotos

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

LIBERDADE, de JONATHAN FRANZEN




Meu exemplar tem outra capa, edição econômica. Talvez pese menos, ou mais, por conta do papel utilizado. Mas rende boa leitura, de qualquer modo. O jornal francês Libération, o Libé, saúda "Liberdade" como "verdadeiro romance do século XXI, um dos primeiros". E eu digo que foi um dos melhores que li nos últimos anos, à altura de "O museu da inocência", do Orhan Pamuk.

Franzen centra sua narrativa na formação e posterior desagregação de uma família mediana norte-americana. Não há muito mais que dizer, depois dessa frase. Só mesmo lendo o livro, para aproveitar os mergulhos quase incontroláveis que o autor permite aos personagens em seu cotidiano. O desdobramento das atitudes, no maior número de planos possível (interior, com o outro amante, amicial, familiar, social, laborativo, artístico), como se o ser humano contemporâneo lutasse permanentemente para escapar de jaulas, zoológicos, áreas de proteção ambiental cada vez mais frágeis. Estertores familiares, amorosos e ideológicos; tentativas de empreendedorismo juvenil, sexo com amor, diversão e ódio dominador, a vida como os volteios de um florete, prestes a nos atingir o peito. A traição sonhada e praticada, em vias múltiplas, no mais das vezes sem um sentido claro.

Fuga e posse. Diante delas, o que seria a liberdade? Franzen elogia Alice Munro por não desistir nunca das possibilidades de uma cena, de esticar a narrativa a não mais poder, de tensionar ao máximo os movimentos do personagem - e recomenda isso aos prosadores, praticando, por sua parte, com mestria. Gostei muito de ler este romance do Franzen.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

UM AMOR, de DINO BUZZATI



Sozinha, no meio da sala, começou a dançar.
[...]
Começou a dançar. Usa um vestido lilás de tecido encorpado, bem justo no busto e apertado na cintura por um cinto, a saia curta e armada, acima do joelho. O chachachá não lhe sobe pelas pernas e sim pelos quadris e pela coluna vertebral, submetendo o corpo a uma espécie de ondulação lasciva, de relaxamento, de dar e não dar, de oferta e recusa, como um trote em soluços por uma estrada que volta sobre si mesma continuamente, como uma obstinação voluptuosa, como uma brincadeira entre as ondas, como a realização rítmica do amor, frenético, medido, preciso, cansado, insaciável, como a febre espiritual que à noite toma as florestas da África quando a alma se perde em imaginações e lembranças, como o lívido clarão de uma ruela de onde, lá no fundo, uma voz nos chama, como os lábios vermelhos ambíguos que por um instante, à luz dos faróis, se entreabiram numa promessa muda, como a triste juventude que, rindo, se lança e se contorce feliz na escuridão que a destruirá, aspiração, até mesmo ideal, vibração profunda da matéria visceral, vozes das terras que jamais conheceremos, imitação do triunfo que jamais se cumprirá, cruel e suave martelo que bate de três em três vezes com uma breve pausa, de três em três vezes ele bate, ele bate de três em três vezes e mergulha nas cataratas do 17 de abril, batendo de três em três vezes nas rochas e a água, enlouquecendo com o choque, torna-se serpente, epilepsia, harpa, perdição, mas Laide flutua com os saltos altos e finos, levita, flutua, brinca e ri com toda a destreza de menina inteligente, encontrando a seiva irresistível e verdadeira da vida.



Este pequeno trecho de "Um amor", do escritor italiano Dino Buzzati (Ed. Nova Fronteira, 1985), revela um pouco do mundo de maravilhas que o romance representa. (O que o amor pode fazer a um homem já maduro, até onde pode levá-lo, quanto dele e de suas ausências pode suportá-lo, o que o faz querer mais desse amor que, quase sempre, é uma rima pobre e desesperançada, e se esse amor brota de uma jovem prostituta, como suportar seu desdém, sua divisão anárquica e comercial, o que o faz querer mais das migalhas desse amor, ou a querer mais de uma mera promessa de amor, por mais que por ele se pague, qual o limite de exaustão do amor, inexiste? O amor nos possui sem se deixar possuir?) Utilizei uma frase de "Um amor" como epígrafe do conto "A putinha da Vitória", que integra a coletânea "As baianas", e volto sempre ao romance (agora que Mônica encontrou meu exemplar perdido nas estantes) para leituras avulsas e emocionadas.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

CHEIRO DE CHOCOLATE E LEITURA PÚBLICA, QUINTA, 09.08




O escritor Roniwalter Jatobá estará por toda a tarde e começo da noite da quinta-feira, dia 09 de agosto, na Confraria do França, Rio Vermelho, ali onde funcionou um dia o Ex-Tudo, para autografar seu novo livro, "Cheiro de chocolate e outras histórias", lançado pela editora Nova Alexandria. Fica o convite e a indicação aos interessados em boa literatura.

LEITURA PÚBLICA - Serei um dos primeiros a pegar o autógrafo do Roniwalter pois, às 17h, o projeto Leitura Pública, da Fundação Pedro Calmon, promove o encontro de alguns poetas da terra, entre eles, minha amada Mônica Menezes. Fica também o convite e a indicação para bons momentos de poesia na voz de seus próprios autores. 

domingo, 5 de agosto de 2012

NEOCORSÁRIO


 https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgknV3sezigGGtfQYffRNe7yYZgEq0I3O0Xi0FX4pWFibpG9RT4MThLkSzU1vYh_71a_xwK8XL-8xaWnOf4PJdt3JdHHEfEvKSktZVj_qaUp9VIDfWhsYRWpMZtquXVbtjUDDRKWGjWStgS/s400/mareluamy4.jpg

UM

O homem que lê contempla o mar.
Do alto da torre em que mora.
Enquanto afaga seu barril de amontilado.
O mar, matéria por demais agitada, entontece.
O homem que lê o conhece bem.
Prefere o mar que tem aberto no colo.
Encadernado.
Onde costumeiramente mergulha.
Sua face de todos oculta.
E nada.
E nada.

DOIS

O homem que lê admira o mar.
Do alto de sua torre.
A agitada cabeleira de amazona a tocar a praia.
Os tesouros perdidos nos corais e abismos.
Presas e esporões de monstros em caça.
Superfície e profundeza terríveis, femininas.
O homem que lê fecha a janela, cerra cortinas.
O mar é mulher, murmura.
Protegido, enfim.




Imagem: Bol Fotos, anhelosdemar.blogspot.com

sábado, 28 de julho de 2012

O MENINO E EU


eu tenho dor, obrigações e conta bancária
ele tem fantasia e histórias pra contar

por isso me consumo em fortalecê-lo

quando eu partir, ele continuará


quarta-feira, 25 de julho de 2012

CONVERSA NA SICÍLIA, ELIO VITTORINI


 http://www.livrariascuritiba.com.br/Imagens/Livros/Normal/LV159177_N.jpg

Li, em maio, este livro impressionante, cuja capa está acima estampada. Andei (e ainda ando) meio troncho, o que, por certo, me fez esquecer de contar aqui o quanto é maravilhoso o conto de Elio Vittorini, publicado originalmente em 1937, e aqui no Brasil, em edição da Cosac&Naify, em 2002, com tradução de Valêncio Xavier e Maria Helena Arrigucci. 

Comprei meu exemplar no sebo Messias, na praça João Mendes, atrás da Catedral da Sé, na cidade de São Paulo, por conta de uma conversa rápida com o vendedor, a quem perguntei sobre livros de Alessandro Baricco. "Quem?", espantou-se o homem. Ao que lhe respondi: "O melhor romancista italiano da atualidade, Baricco", esclareci. Para ouvir do vendedor que Baricco ele não conhecia, mas que o melhor escritor italiano, no seu entender, era "este aqui", puxando "Conversa na Sicília" de uma prateleira. O que podia eu fazer, do fundo da minha ignorância vittoriniana? Abri o livro e li o primeiro parágrafo:

"Eu, naquele inverno, estava tomado de furores abstratos. Não direi quais, não é isso que me proponho a contar. Mas é preciso dizer que eram abstratos, nada heroicos, nem vivos; de qualquer maneira, furores pelo gênero humano perdido. Vinha assim há muito tempo, e andava cabisbaixo. Via manchetes nos jornais sensacionalistas e abaixava a cabeça; estava com os amigos, uma hora, duas horas, e ficava com eles sem abrir a boca; abaixava a cabeça; e tinha uma moça ou uma mulher que me esperava, mas nem com ela eu trocava uma palavra, mesmo com ela eu abaixava a cabeça. Chovia o tempo todo, passavam-se os dias, os meses, e eu tinha os sapatos furados, a água me entrando nos sapatos, e não era mais nada que isso: chuva, carnificinas nas manchetes dos jornais, e água nos meus sapatos furados, amigos mudos, a vida em mim como um sonho surdo, e não-esperança, calmaria."

Depois, em casa, febril, segui o protagonista em sua viagem do centro da Itália à Sicília, para visitar a mãe esquecida, por conta do seu próximo aniversário, espicaçado que foi por uma carta do pai fujão e de um cartaz que anunciava a viagem a preço módico. O homem viaja e conversa com quem topa pelo longo caminho e, principalmente, com sua velha mãe e moradores do lugarejo em que nasceu e viveu a infância. Quem está perdido, o gênero humano ou o mundo em que ele labuta pela vida? O que fizemos, o que fazer?

Belo, emocionante, fundamental.

domingo, 22 de julho de 2012

AÇO

 http://www.i-italy.org/files/consulate_events_thumbnails/Avallone_1299309759.jpeg

Concordei com Mayrant Gallo quanto à impressionante primeira página do romance: verão operário, duas adolescentes amigas na praia, um adulto a espiar por um binóculo, o adulto sendo pai de uma delas, perturbado pelo corpo seminu da filha.

Ganhei um exemplar de "Aço" de presente; sempre  Ela, atenta ao meu olhar.

Enfrentei a leitura de "Aço" (primeiro romance da jovem escritora italiana Silvia Avallone, finalista do Strega e vencedor do Premio Campiello Opera Prima, em 2010, lançado aqui no ano seguinte pela Alfaguara, com tradução de Eliana Aguiar) na esperança de receber o que a autora promete na famosa primeira página; não sequências de sexo incestuoso, mas um texto que mantivesse a qualidade literária ali presente.

Ao final, a primeira impressão não se confirmou. Mas a autora deu toda pinta que tem muito a oferecer à literatura italiana contemporânea. Avallone possui olhar aguçado e atento para o drama social e soube captar bem, em "Aço", o desespero instalado na vida das pessoas pela ausência de perspectiva de ascenção social. E, também, ter a consciência de que o que mais importa ao ser humano não é o carro do ano ou o emprego ideal, mas o encontro (ou reencontro) do grande amor, aquele que é neblina e asa, mesmo quando esse amor (ou a ideia de amor) seja apenas pretexto para censuras e espancamentos diários. A vida quase sempre é corda de aço desfiada, e só é vida porque se pode contá-la e cantá-la. E que o sonho de quem vive a dureza do aço, por incrível que pareça, pode ser apenas passar um dia na ilha de Elba. 



Imagem: Bol Fotos, a autora e a foto da edição italiana.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

O POSTE DE FERRO



o poste de ferro cantava
quando nele a gente batia
toda vez que passava
no caminho da escola

o poste de ferro era
um violão sem cordas

no retorno
o poste ainda cantava
uma canção aflita
de órfão desnudo
no areão fincado
desligado do mundo

o poste de ferro aguardava o toque
todo dia
para lembrar do tempo em que ao telégrafo servia
de que ainda era ferro
e mesmo assim morria

quarta-feira, 18 de julho de 2012

COMO FICAR SOZINHO

O título acima é também o do novo livro de ensaios do Jonathan Franzen que leio desde o domingo. Não li ainda nenhum dos aclamados romances do autor, começo a conhecê-lo pelos ensaios desse livro. Estou ali pelo meio da jornada, acompanhando-o em observações de pássaros na China, onde foi conhecer fábricas de bichinhos de pelúcia que encapam tacos de golfe, algo assim inimaginável, para mim, até começar a leitura. Capas de tacos de golfe!? Mas é mesmo sobre nada que um grande autor exibe melhor seu talento. 


E o Franzen demonstra em "Como ficar sozinho" ser um excelente escritor. Soube que na Flip deste ano o acharam chato, muito por não se entregar ao show business da festa. Franzen acordou cedo, no dia de sua mesa, e foi observar pássaros nos arredores de Paraty, chegando no local da palestra arrastando uma pesada mochila e de jeans. O que, parece, horrorizou a seleta plateia. Gostei do Franzen, de cara, somente por esse episódio. E já se sabia que Franzen prefere que não lhe façam as clássicas perguntas sobre influências, autores preferidos, processo criativo etc., essas obviedades que clamam por respostas igualmente óbvias.

O ensaio "O cérebro do meu pai", até agora, foi o que mais me tocou: duro, minucioso, doloroso, literário. Franzen reproduz trechos de cartas de sua mãe reclamando do Papai e do tormento de sua "longa doença". O pai de Franzen morreu de Alzheimer, o que permite ao autor escarafunchar os diversos aspectos da doença e de sua evolução no caso paterno. 

Adiante, contarei mais desse ótimo livro, que traz na capa uma agenda, livros, frutas e fitas de video. Faltou o cinzeiro do Franzen, mas é compreensível.

domingo, 15 de julho de 2012

A PORTA NO CHÃO



há duas portas em meus olhos
do tipo corta-fogo

há uma dura mão-de-pilão
em meu coração

e minhas mãos colhem
toda manhã
o orvalho que cobre meu peito

há sempre uma porta no chão,
meu eterno tropeço


Repito aqui este poema por gostar de sentir sua vibração. Brotou naturalmente depois de assistir ao filme "Provocações", com Kim Basinger e Jeff Bridges, baseado em romance de John Irving, alguns anos atrás. Coisas assim acontecem para nos mostrar melhor a nós mesmos.

Imagem: Bol Fotos  

sexta-feira, 13 de julho de 2012

CIRCUITO

Meu circuito Elizabeth Arden passa longe de Roma-Paris-Londres-Washington e do frufru diplomático. Meu “Arden” consiste em idas e vindas a médico-farmácia-laboratório-hospital, numa desordem típica do tropicalismo. Sempre marcado pela incerteza quanto às “remoções”. Talvez isso explique um pouco minha falta de diplomacia no trato de questões fora do circuito. Talvez isso explique o fato de a literatura ocupar um espaço cada vez mais íntimo em minha vida. De eu desejar que a literatura seja o bem mais precioso a que me reservo. De eu querer me reservar, cada vez mais, para cumprir meu circuito com dignidade e para a literatura poder se instalar confortável em meu peito.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

LEITURA PÚBLICA DIA 12, QUINTA, 17h


Como podem ver no cartaz acima, sairei da loca na próxima quinta-feira, dia 12 de julho. Vou participar do Leituras Públicas, evento idealizado e produzido pela Núcleo do Livro e da Leitura, da Fundação Pedro Calmon. A leitura pública de textos pelo próprio autor é algo comum em outras plagas, mas raro em nossa terrinha. Daí ser merecedora de aplausos e de participação a iniciativa. 

Quem quiser ouvir um trecho do romance "Beira de rio, correnteza" e, se der tempo, outros textos de minha autoria, é só aparecer na Biblioteca dos Barris, a partir das 17h. A mediação será do escritor Dênisson Padilha. Até lá, pessoal.

domingo, 8 de julho de 2012

TEMA PARA MEDITAÇÃO

"A literatura passou a desandar depois que os autores passaram a ser vistos", disse na Flip o Enrique Vila-Matas, escritor espanhol, autor do excepcional "Dublinesca". (Leiam mais a respeito no blogue "Livros etc", link ao lado).
O show da vida. Tudo virou show: do intervalo das transmissões esportivas a uma falação de escritor. Dizem agora que o escritor precisa ser midiático, ou seja, um artista capaz de atuações em palcos e estúdios de tevês, capaz de agradar pessoalmente, de ser simpatiquinho.
Largo aqui o tema para meditação. E dou meu pitaco, claro.
Cada um faz da sua vida o que bem entender, o que achar melhor pra si, premissas básicas.
Eu penso que importo muito pouco. Gostaria que a literatura que produzo importasse alguma coisa para alguns e para a entidade "literatura brasileira". Gostaria.
Mas parece viger a regra que impõe a necessidade de o escritor "aparecer" para que seus livros possam ter mercado. E ter mercado parece, também, passou a ser tudo que importa. Profissionalismo.
Não sou um escritor profissional, não quero ser um a lutar por espaço no mercado. Estou em minha literatura, mas não sou a literatura que produzo. Sou dos que preferem viver quieto em sua loca.
Tenho dito, sem nenhum laivo de rispidez, que a um convite para falar a alunos de Letras (que nunca leram nada que eu tenha escrito) prefiro que o professor adote um texto meu em sala de aula. E ouço, aqui e ali, que, se eu falar aos alunos, meus livros serão por eles lidos. 
Duvido, em letras garrafais.
À literatura vai aquele que a ama. 
Para escrever bons livros, não me parece necessário ser bom ator. E é só isso que gostaria de fazer: escrever bons livros.
Mas, ao que tudo indica, eu me equivoco sobre o tema. O Vila-Matas deu seu show na Flip.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

O QUARTETO DE ALEXANDRIA

http://images1.folha.com.br/livraria/images/f/1/1015568-250x250.png


 Dessas obras-primas que bordejamos por décadas, sem jamais alcançá-las. Algo que nos deixa perplexos por ter vivido, até então, em tamanha ignorância. E que provoca sede de outra leitura no exato instante em que se conclui a primeira. E talvez seja assim ao final da próxima... Como o próprio Lawrence Durrell escreveu em "Lívia, ou Enterrada viva", a pequena arte dá pulsação e a grande arte, vertigem salutar. Afastando a discussão entre pequena e grande arte, "O Quarteto de Alexandria" me prendeu até a última linha em uma leitura febril e alumbrada. A sequência "Justine, Balthazar, Mountolive e Clea" nos revela e desfolha a terra de Cleópatra, Hipatia e Kaváfis, em toda profusão de cores e cheiros, em toda confusão de sexo, adultério, diplomacia e violência. Do romance contínuo, do mosaico por ele composto, as verdades de um momento especial na vida do narrador principal e dos protagonistas nominados acima brotam com igual força em diferentes quadros por suas vozes particulares. Conhecemos a cidade e a experiência de vida que cada um acredita ter nela dividido com os outros. Sim, acreditam. Pois, a cada movimento do romance a outra face, às vezes uma terceira face, se isso for possível, do episódio central se revela verdadeira e irônica. A arte da vida, pois não, para nosso encanto e prazer, exposta ali com mestria por Durrell. 


P.S.: Aos interessados, o pacote com os quatro volumes estava à venda na livraria Jhana, no Shopping Itaigara, por módicos 39 reais, em publicação da Ediouro, 2006.
Imagem: Bol Fotos.








quarta-feira, 6 de junho de 2012

A VISITA CRUEL DO TEMPO


A visita cruel do tempo. Não se tropeça num título desse, mergulha-se. Vários protagonistas, vários romances em um só tomo. Porque o tempo não perdoa, executa sua sentença implacável mesmo aos que se julgam belos e saudáveis. O tempo não concede respeito a ninguém. Ou nos arrasta, ou nos empurra, ou se acopla dilacerante ao nosso pretenso ritmo. E tatua mais que nossas almas com suas lâminas finas. Jennifer Egan reúne um grupo de protagonistas jovens, que se alia a outro não tão jovem assim, mas que foi jovem um dia, e acompanha suas trajetórias até um futuro não tão distante assim, pois sabemos que o tempo avançará para além de nós, como tem feito desde sempre. Uns ficam para trás, outros reinventam-se, alguns resistem, e há os que se multiplicam. O que quer de nós, o tempo? O que queremos dele? Uma leitura que fiz com enorme prazer, neste começo turbulento de ano. E que recomendo com entusiasmo aos que amam a literatura e não temem tanto assim o camarada tempo, que bate à nossa porta feito cupim.Sejamos veneno.
 

quarta-feira, 16 de maio de 2012

17 de maio de 1958

Entro no Google.

Uma edição da revista O Cruzeiro ostenta a data do título deste post na capa, ao preço de CR$15,00. Os assuntos, elencados em coluna à esquerda, cediam espaço maior à foto de uma beldade não identificada. Alguns dos assuntos, compreensíveis: reforma do ensino secundário, nova fórmula do futebol inglês: U-23; outros, nem tanto: fantasmas brincam em São Paulo, Belafonte não canta Calipso.

Já a revista Maquis, editada no RJ, edição no. 49, abre manchete para a denúncia: F.N.M. pagou estátua de Juscelino. Alguém tem lembrança aí do Fê-nê-mê)? E de Juscelino?

A ABPTGIC, quem diria?, foi fundada em 17 de maio de 1958. Trata-se da Associação Brasileira de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia. Impressionante, não?

Foi um sábado, fico sabendo. 

A Folha da Manhã, jornal de São Paulo, exibe a seguinte manchete: Aprovado sem modificações pelo Conselho da República o projeto que institui o estado de emergência na França. Toda em caixa alta, em duas linhas, em tipos clássicos. Na coluna ao lado, a informação de que o Sputinik III foi avistado com radar nos EUA. No meio da primeira página é possível ler o título: Violento conflito no porto entre a polícia e os partidários do general Humberto Calado.

Saio do Google.

Desisto de saber mais sobre o que aconteceu no dia em que respirei pela primeira vez. Nada encontrarei na internet sobre os ocorridos no meu lugar de nascimento e arredores, o que realmente importaria. Lá era o sertão do São Francisco, o sertão de dentro. A história dos deserdados não produz posteridade. A não ser que um escritor de gênio faça dela matéria de sua arte. 

Ganhei "Os miseráveis" de presente antecipado da minha amada.  

Amanhã começarei o dia indo ao médico. 


segunda-feira, 7 de maio de 2012

LEITURA PÚBLICA, 10 DE MAIO, 17h

O poeta baiano Ruy Espinheira Filho é um dos talentos da geração 70
 (Global Editora/Divulgação)

Ruy Espinheira Filho estará na próxima quinta-feira, a partir das 17h, no Quadrilátero da Biblioteca dos Barris, fazendo a leitura de textos de sua autoria. O projeto Leituras Públicas foi idealizado e implementado pela Diretoria do Livro e da Leitura da Fundação Pedro Calmon. O mediador será o escriba aqui, um leitor e admirador das poesia e prosa do Mestre Ruy. Compareçam, divulguem!


Imagem: blog Conteúdo Livre

quarta-feira, 2 de maio de 2012

MELHORES POEMAS - RUY ESPINHEIRA FILHO


     
Melhores Poemas Ruy Espinheira Filho
Seleção - Sérgio Martagão Gesteira

Global Editora, 2012 

"Ruy Espinheira aprendeu a tocar “violinos de névoa”. O poeta busca outra forma, novas fórmulas para, sabe-se lá, diante do bruto, do não lapidado e do inaudito, normatizar os elementos de acordo com o que mandam as imprecisões, de acordo com o que manda o imperativo das coisas sensíveis. O poeta busca encontrar o sentido, busca cores e nomes.

Complexa, mas acessível, conciliando tradição e modernidade, tradição e renovação, a poesia de Ruy Espinheira tem o frescor do vivo: é inaugural. A sua fina faca continua cortando na medida, pronta para encontrar o que pode haver de mais estranho. Existem poemas e canções que sugerem, exigem permanências. Ruy Espinheira é dono de uma poesia vigorosa que não faz concessões, aceita o soneto, brinca com ele, que pega e devolve, amplia entendimentos." (André di Bernardi, publicado no jornal Estado de Minas, 28.04.12, e no blog Conteúdo Livre).


Dia 10 de maio, no quadrilátero da Biblioteca dos Barris, Leitura Pública com Ruy Espinheira Filho, a partir das 17h, com mediação deste leitor.