sexta-feira, 30 de julho de 2010

ENCHENTE




Martha Galrão, do blogue "Maria Muadié", descobriu lá no desativado "miniconto.zip.net" um texto meu de muitos anos, nem sei mais quantos. Sei apenas que o texto brotou de episódio materno por ocasião da grande cheia do rio São Francisco, de 1979, que fez milhares de desabrigados em Ibotirama e botou minha mãe de viagem para a roça, tão logo a água apontou num dos cantos da praça Deraldino Lino de Souza.

Agora, Martha me diz em comentário no post abaixo que lê o texto como poema. Eu me referira a ele como miniconto. Sim, nasceu como poema, poema andou por aí, poema viverá para muitos; e será publicado em "A segunda sombra" como miniconto. Mas que importa o rótulo? Importa que o texto provoque qualquer coisa de estimulante no leitor. E o leitor, então, o adotará como de sua predileção, o que muito deixa feliz o autor. Grato pela leitura, Martha.

Trago o assunto porque "A enchente" sofreu alterações ao longo do tempo, que resultaram na forma final intitulada "Enchente":

"O rio venceu o cais, invadiu a praça, subiu os degraus da igreja.
Minha mãe, protegida e a seco, foi lá ver:

- Que tragédia, meu Deus! Mas como é bonito!
"

Assim é, assim será.



Imagem: www.flickr.com, por Mááh

segunda-feira, 26 de julho de 2010

NUVEM DE SEDA



Paira sobre mim uma nuvem de seda. Parte dela enrosca-se em meu corpo, a tremeluzir. E muito mais de nuvem se espalha em meus olhos, em minhas mãos. Montes de seda rósea, frementes, evoluem vagarosos quanto toco seus cumes. E outros volumes sedosos se roçam e drapejam, feito estandartes de clãs japoneses em filme de Kurosawa. Um festival de cores macias, suculentas e ariscas. Pressinto raios e trovões em seu bojo, nas densidades mais rubras e violáceas dessa nuvem. O que de mim resta lúcido escorrega por dentro dela, para chover junto e profundo, como se o mundo todo fosse um imenso casulo.



Imagem: www.flickr.com, por Jaci XII

sábado, 24 de julho de 2010

LANÇAMENTO EM BREVE


Com lançamento previsto para setembro, aí está a capa do meu livro de minicontos, "A segunda sombra", que sairá pelo selo "três por quatro", da Editora Multifoco, do Rio de Janeiro. O livro é filhote dos meus blogues anteriores, "minicontos.zip.net" e "contosempre.zip.net", e fruto de um convite do escritor e editor Wilson Gorj, paulista de Aparecida do Norte, posto à frente do selo de micronarrativas.

O texto da orelha é de autoria do contista Tom Correia, a quem agradeço aqui a gentileza. E a belíssima capa é de Guilherme Peres, responsável pelo projeto gráfico do livro.

Visitem o blogue da "três por quatro" no site da editora, no endereço: http://www.editoramultifoco.com.br/tresporquatro.

E aguardem o convite para o lançamento em, s.D.q., um sábado pela manhã na LDM.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

2666



2666 matou Bolaño. E quase me matou também. Tive que ler sentado à mesa, durante um período excessivo e inédito para mim. Saí da leitura alquebrado e dolorido. Mas valeu a pena. A edição que li não foi, obviamente, a da foto acima, mas parecia igualmente carregar todo o peso do mundo. Cinco livros enfeixados em um, quase 900 páginas, um tempo que atravessa quase todo século passado. Tudo que um grande romance deve ser, 2666 é. E isso parece-me suficiente.
Bolaño deixou recomendação para que os cinco livros fossem publicados individualmente. Os editores fizeram diferente, e fizeram bem. "A parte de Fate" não teria o valor que tem se publicado isoladamente, por exemplo. "A parte de Amalfitano, também", e assim por diante até o fim. Parece que a motivação principal de Bolaño seria financeira etc.
Prefiro deixar aqui um trecho:
"Que triste paradoxo, pensou Amalfitano. Nem mais os farmacêuticos ilustrados se atrevem a grandes obras, imperfeitas, torrenciais, as que abrem caminho no desconhecido. Escolhem os exercícios perfeitos dos grandes mestres. Ou o que dá na mesma: querem ver os grandes mestres em sessões de treino de esgrima, mas não querem saber dos combates de verdade, nos quais os grandes mestres lutam contra aquilo, esse aquilo que atemoriza a todos nós, esse aquilo que acovarda e põe na defensiva, e há sangue e ferimentos e fetidez."
Admiro as novelas dos grandes mestres, mas meu caro Bolaño, adorei mergulhar no imenso universo de horror e tédio do seu grande combate, aquele que o exauriu, 2666. Parece que o protagonista preferia também os grandes combates, esses em que havia "sangue e ferimentos e fetidez". Afinal, foram mais de 200 mulheres assassinadas...


Imagem: www.flickr.com, por Alice E. Oreilly

quarta-feira, 21 de julho de 2010

RETORNEAR


E cá estamos de volta à blogueria. Senti falta, não senti falta, dizem-me que fiz falta. Ainda bem que não foi dentro da área nem recebi cartão vermelho.

Quero postar aqui minicontos, trechos de livros que leio e pequenos comentários sobre o que importar, desde que não sejam ligados às campanhas políticas que berram nas ruas e em todo lugar. Creio que deve estar nesse berreiro a causa da otite externa que desenvolvi esta semana.
Cansei do espetáculo canhestro das eleições. Fim.

Meu amor está aqui ao meu lado, enroscada no sofá, e o mundo lá fora pode ter a cor que quiser. Prólogo.

Os próximos posts serão dedicados a 2666, de Bolaño, e a Chá das cinco com o vampiro, do Miguel Sanches Neto. Retornearemos. Abraços a todos.

Ah, como podem ler abaixo, este blogue foi criado ano passado, mas mantive-o inédito desde então. Andei muito ocupado com o preparo de dois livros: o romance Beira de rio, correnteza, lançado em 09 de julho passado, e o de minicontos A segunda sombra, que virá a lume quando setembro chegar.

Imagem: www.flickr.com, por M*