domingo, 24 de outubro de 2010

DESERTO DIAMANTINO


Este aí é o poeta galego Xavier Rodríguez Baixeras, que tem passado os últimos verões aqui na Bahia e frequentado o almoço das quintas-feiras no restaurante do Edinho, no Ceasa do Rio Vermelho. No "Contosempre", meu blogue desativado, postei um belíssímo poema do seu livro "O pan da tarde".
O Baixeras tornou-se um profundo conhecedor do Rio Vermelho, onde sempre fixa moradia, e admirador da obra de Herberto Sales. Visitou Andaraí e a Chapada Diamantina. Escreveu o livro de poemas "Deserto Diamantino", que venceu o VIII Premio Caixanova 2009.
Tive a alegria de receber hoje um exemplar de "Deserto Diamantino". Estou lutando com as sutilezas da língua galega e aos poucos alcançando a grandeza dos poemas diamantinos do Baixeras.
Deixo aqui as estrofes finais do primeiro poema, "Regalía" (sesmaria):
"Estou aqui, perplexo, contemplando
o tempo retorcendóse aos meus pés
e acomodo ao que fun o seu revés
de cabalgada, e ando
grandes leguas colmadas de demora
e vou tomando a pose desta herdade
serodia como a vida e xa saudade,
calor que me devora."

terça-feira, 12 de outubro de 2010

O REI BRANCO


Grandioso. Relatos sobre a violência da opressão. De como essa violência se reproduz em todos os níveis sociais. De como cada pessoa se apropria do direito/dever de inflingir violência no mais próximo. De como tudo que é digno se torna distante da vida real, prenhe de dedos-duros. De como a miséria se apossa dos dentes e unhas e se faz desespero. De como a vida pode ser tormentosa, patética, absurda. De como a realidade forjada serve apenas ao discurso de quem se refestela nos altos cargos, apertando suas manoplas sobre os mais fracos. De como os imbecis se reunem para controlar um povo e se regurgitam na própria obtusidade. De como o cotidiano se mostra mais cruel que no Velho Oeste, pois contido em frases obrigatórias, em regulamentos pérfidos, em burocracia histriônica e inoperante. De como ser criança é habitar um estado permanente de carência e dor. De como a humanidade resiste apenas naqueles decaídos, marginalizados pelo "estado', nos ditos traidores da pátria (PORQUE PENSAM DIFERENTE OU PORQUE APENAS DESEJAM UM POUCO DE LIBERDADE E AMOR). De como o amor pode se tornar algo pérfido e afastado. De como se vive num estado totalitário. Um mundo sem calor paterno, sem paz, somente o culto ao Grande Pai. Um mundo de ódio canalizado para destruir tudo que possa ser rotulado de humano. Um mundo gélido, imundo e horroroso. Um mundo sem asas.

E ainda há quem queira construir regimes desse tipo. Talvez por isso odeiem os escritores, gente como György Dragomán, capaz de revelar as grandes verdades da vida. Sim, pois a verdade, penso eu, reside somente na literatura. O resto é conversa pra conduzir rebanho ao matadouro.

Leiam o premiado "O rei branco", do escritor húngaro György Dragomán, publicado pela Intrínseca, em 2009, em tradução de Paulo Schiller. E verão, e saberão.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

UM ANIMAL DE LUZ ENCURRALADO


Primeiro, quero dizer que o efeito produzido pela poesia do chileno afeta fisicamente seus interlocutores. Provoca a sensação de estar embriagados num licor sibilino, na monotonia de cascavel com que arrasta sua voz, nas pestanas longínquas e pupilas hipnotizadoras. Se a pseudopoesia de vanguarda é aquela em que o poeta sai correndo na frente, a verdadeira poesia de vanguarda é aquela em que o poeta faz os outros correrem na frente.



In "Neruda por Skármeta", de Antonio Skármeta, Record, 2005