sexta-feira, 23 de março de 2018

NO CAMINHO DOS SESSENTA


Fui o cara das respostas,
agora só pergunto.
Eu me perco no varejo
e me acabo no abstunto.

Manquitolo, manco e tolo,
em veredas comerciais.
Não me reconheço mais
no meu basto miolo.

O quê???, já não escuto
meus próprios uis e ais. 
Encontra-se embaçado,
meu olhar fino e arguto 

Tudo já me é passado,
antes mesmo de enxuto.
Me canso de ficar puto,
não sonho de estressado.

Refaço o que já fiz
mil vezes sem conta,
por não lembrar do caldo
que mastiguei na janta.

E assim se me apresenta
a estrada dos sessenta,
sem margens, reta, ampla.

O pouco que acrescenta,
assusta e me espanca:

sou eu quem por ela avança
ou em mim essa estrada,
devagar, desanda?

terça-feira, 20 de março de 2018

CIRANDA DE MARIA CECÍLIA, ELIESER CESAR



ELIESER CESAR LANÇA “CIRANDA DE MARIA CECÍLIA”

      O escritor e jornalista Elieser Cesar, um dos integrantes do saudoso Grupo Hera, lança o seu segundo livro de poesia, Ciranda de Maria Cecília, no próximo dia 22 de março, a partir das 17 horas, no Bar e Restaurante do Edinho, no Mercado do Rio Vermelho (antiga Ceasinha da Chapada), em Salvador. Publicado pelo selo Candeeiro, da editora Penalux/SP, Ciranda de Maria Cecília reúne poemas escritos nas últimas duas décadas.
     Elieser Cesar explica que o título do livro é uma homenagem à filha dele, Maria Cecília, de 8 anos de idade. “Como eu já havia homenageado meu outro filho, Fernando, em Os Cadernos de Fernando Infante, resolvi também homenagear Maria Cecília. Para não haver queixa em casa”, brinca o autor. Para o poeta, isso não significa que se trate de um livro para criança, embora existam poemas que podem ser facilmente compreendidos por muitas crianças e adolescentes. “Há, de fato, versos com uma leveza diáfana, como o poema que dá título ao livro, mas também muitos outros densos e mais profundos, por tratar da condição humana, com toda sua carga de precariedade, incerteza e contingente transitoriedade”, esclarece.
      Em Ciranda de Maria Cecília,  o poeta transita de uma leveza alada ao peso estoico da morte. Leveza refletida nas coisas simples da vida, bem simples, como um passarinho flagrado ao entrar no ninho no começo da manhã: “Mas que manhã!”. Peso que aponta para a vida sem mistificação e ferida de morte, como no verso: “A morte fecha os evangelhos!”. Luis Pimentel, escritor e jornalista baiano, radicado no Rio de Janeiro, afirma, no prefácio, ter encontrado em Ciranda de Maria Cecília “o que mais persigo: a busca pelas 'coisas simples da vida' (Como um passarinho / entrando no ninho / no começo da manhã). Só isso. Para o poeta, 'uma besteirinha'. Para mim, o enigma singelo de seus versos.”
     Elieser Cesar ganhou mais de dez prêmios de reportagem atuando como jornalista. E publicou livros de prosa, dentre eles A Garota do Outdoor (contos), A Guerreira da Lapinha (novela), e O Romance dos Excluídos – Terra e Política em Euclides Neto (ensaio, fruto de sua tese de mestrado, no Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia. Participou de antologias e coletâneas, como As Baianas e 82: Uma Copa , Quinze Histórias, ambas publicadas pela editora Casarão do Verbo, e de A Poesia Baiana no Século XX, antologia organizada por Assis Brasil e publicada em 1999. Em 2013, venceu o Prêmio Damário Dacruz de Poesia, instituído pela Fundação Pedro Calmon (Secult-BA).  

FOTOGRAFIA

I
Vejo-me numa fotografia antiga.
Meu pai,
minha mãe,
meus irmãos,
e uma infância,
calma, tranquila,
sem ânsia.


Ó, mundo, sopro abstrato!
Já não sei se vivi,
ou se sonhei,
esse retrato.


domingo, 18 de março de 2018

POEMAS DE FRANCISCO CARVALHO




DIALÉTICA DO POEMA

Fazer um poema
não é dizer coisas profundas.
É ver as coisas como as coisas não são.

Fazer um poema não é viajar no espelho.
É ir à procura do rosto do homem
perdido na escuridão.

É descer às raízes do sangue e do mito.
Fazer um poema é estar em conflito
com os dedos da mão.


BANQUETE

na mesa repleta
de vinhos
e seios implumes
meus sentidos
despertam
para a sensualidade
dos legumes.


VIAGEM NO TEMPO

Percorro a casa. Os claros
espaços dos antepassados.

As vigas. Os caibros. As telhas.
As vértebras das teias

de aranha. Por aqui
as serpentes dos pântanos

deixaram fragmentos
de astúcia e morfina.

Vestígios de borboletas
mortas vivem nas gavetas.

Dos ponteiros do relógio
pingam as gotas das horas.

Por todos os cantos
da casa a memória sangra.


Três poemas extraídos de "Memórias do espantalho - poemas escolhidos", de Francisco Carvalho, publicado pela Imprensa Universitária, UFC, Fortaleza, 2004.
Foto, Bol, antonio.miranda.com

quinta-feira, 15 de março de 2018

CANÇÃO DE SILÊNCIO E CALMA, RUY ESPINHEIRA FILHO



   É tão perfeito o silêncio,
   neste dia chegando ao fim,
   que creio ser impossível
   alguém estar pensando em mim.

   Sim, pois qualquer pensamento
   me perturbaria a alma
   que me doou esta tarde,
   tecida toda em sua calma.

   Uma calma tão perfeita
   que espero não tenha fim.
   E não terá, certamente,
   se ninguém pensar em mim.


Poema extraído de Babilônia e outros poemas, mais recente livro de poemas de Ruy Espinheira Filho, publicado pela Patuá, em 2017.

Foto: enjoy the silence, wordpress.com

domingo, 11 de março de 2018

OS DEZ AMIGOS DE FREUD, SÉRGIO PAULO ROUANET


   São dois volumes, publicados pela Companhia das Letras, em 2003. Rouanet toma como partida uma lista de livros que Freud indicou ao editor Esse Heller, em 1906, atendendo a uma circular enviada a várias personalidades com igual pedido. A carta está na íntegra, logo na abertura do Volume I, e merece ser conhecida de todos, não somente pela relação de livros e autores que Freud aponta, mas também pelos fundamentos de suas escolhas:

   "O sr. deseja que eu lhe indique 'dez bons livros', e recusa-se a acrescentar uma palavra de explicações. Com isso, o sr. me encarrega não apenas de escolher os livros, mas de interpretar seu pedido. Habituado a prestar atenção a pequenos indícios, devo ater-me à formulação literal de sua enigmática pergunta. O sr. não disse 'as dez maiores obras da literatura mundial', caso em que, como tantos outros, eu teria que responder com Homero, com as tragédias de Sófocles, com o Fausto de Goethe, com o Hamlet de Shakespeare, com Macbeth etc. Não se trata, tampouco, dos dez livros mais significativos, entre os quais teriam que figurar os trabalhos científicos de Copérnico, do velho médico Johann Weier, sobre a feitiçaria, de Darwin, sobre a origem do homem, e muitos outros. O sr. não indagou sequer sobre os meus livros favoritos, entre os quais eu não teria esquecido o Paradise Lost de Milton e o Lazarus de Heine. A meu ver, seu texto põe um acento especial na palavra bons, e com esse predicado o sr. quer caracterizar os livros com que nos relacionamos do mesmo modo que com bons amigos, aos quais devemos algo do nosso conhecimento da vida e da nossa concepção do mundo, cujo contato nos proporcionou prazer, e que elogiamos diante de outros, sem que essa relação suscite um temor reverencial, uma sensação da própria insignificância diante da grandeza alheia
  
   Indico-lhe portanto esses 'bons livros', que me vieram à mente sem muita reflexão:
  
   Multatuli: Cartas e obras
   Kipling: O livro da jângal
   Anatole France: Sobre a pedra branca
   Zola: Fecundidade
   Merejkovski: Leonardo da Vinci
   Gottfried Keller: A gente de Seldwyla
   Conrad Ferdinand Meyer: Os últimos dias de Hutten
   Macauley: Ensaios
   Gomperz: Pensadores gregos
   Mark Twain: Esboços

  Nâo sei o que o sr. pensa fazer com essa lista. A mim mesmo, ela me parece estranha, a tal ponto que não posso abandoná-la sem acrescentar meus comentários. Não quero examinar por que esses e não outros 'bons' livros, mas apenas esclarecer a relação entre o autor e sua obra. Nem sempre essa relação é tão óbvia como a que existe entre Kipling e Jungle Books, por exemplo. Na maioria dos casos, eu teria podido selecionar outra obra do mesmo autor, como por exemplo o Docteur Pascal, de Zola. O mesmo homem que nos presenteou com um bom livro muitas vezes nos deu também de presente vários bons livros. No caso de Multatuli, sinto-me impossibilitado de dar preferência a Cartas de amor em detrimento das cartas particulares, ou vice-versa, e por isso escrevi: Cartas e obras. Excluíram-se as obras essencialmente literárias, de valor puramente poético, talvez porque seu pedido  -  bons livros  -  não parecesse referir-se diretamente a tais obras. Assim, no caso de Hutten, de C.F. Meyer, o 'bom' prevaleceu sobre o 'belo', a 'edificação' sobre o prazer estético.

  Ao solicitar-me que indicasse 'dez bons livros', o sr. tocou num ponto sobre o qual muitíssimas coisas poderiam ser ditas. Termino, pois, para não ficar ainda mais loquaz."


   Aí está, e não é pouco.

sábado, 10 de março de 2018

O TRIUNFO DO AMARELO, SOSÍGENES COSTA





Luta o amarelo contra o verde, agora,
no esforço de vencê-lo e confundi-lo. 
E assim, derrama, esdrúxulo, na flora
sépia, topázio, abóbora, berilo.

Transforma o bronze e anula o jade; e aquilo,
que é verde-negro, aurífero, colora.
No esforço de vencê-lo e confundi-lo
luta o amarelo contra o verde, agora.

Aves azuis se pintam chinesmente
de jalde. E a própria flor da rubra amora
toda se pinta de âmbar louro, ardente.

E a luz do sol, sinfônica e sonora,
dos céus rolando, em mágica torrente,
a gama inteira do amarelo explora.


Poema colhido em "Travessia de oásis - a sensualidade na poesia de Sosígenes Costa", de Florisvaldo Mattos, publicado em 2004, sob o selo da Secretaria de Cultura e Turismo do Estado da Bahia.