domingo, 18 de março de 2018

POEMAS DE FRANCISCO CARVALHO




DIALÉTICA DO POEMA

Fazer um poema
não é dizer coisas profundas.
É ver as coisas como as coisas não são.

Fazer um poema não é viajar no espelho.
É ir à procura do rosto do homem
perdido na escuridão.

É descer às raízes do sangue e do mito.
Fazer um poema é estar em conflito
com os dedos da mão.


BANQUETE

na mesa repleta
de vinhos
e seios implumes
meus sentidos
despertam
para a sensualidade
dos legumes.


VIAGEM NO TEMPO

Percorro a casa. Os claros
espaços dos antepassados.

As vigas. Os caibros. As telhas.
As vértebras das teias

de aranha. Por aqui
as serpentes dos pântanos

deixaram fragmentos
de astúcia e morfina.

Vestígios de borboletas
mortas vivem nas gavetas.

Dos ponteiros do relógio
pingam as gotas das horas.

Por todos os cantos
da casa a memória sangra.


Três poemas extraídos de "Memórias do espantalho - poemas escolhidos", de Francisco Carvalho, publicado pela Imprensa Universitária, UFC, Fortaleza, 2004.
Foto, Bol, antonio.miranda.com

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