sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

ANO NOVO (III)


    
    Dois anos sem Andreia Caffé-Gallo.
    Beirou ano novo, surge esse marco emocional incontornável.
    Pessoa de aura luminosa, deixou imensa saudade em todos nós, que com ela convivemos.
    Hoje, topei com um soneto de Cecília Meireles, minha leitura entre festejos.
    Publico o "Soneto Antigo" em homenagem a Andreia, "pura flor de vento".

   SONETO ANTIGO

   Responder a perguntas não respondo.
   Perguntas impossíveis não pergunto.
   Só do que sei de mim aos outros conto:
   de mim, atravessada pelo mundo.

   Toda a minha experiência, o meu estudo,
   sou eu mesma, que, em solidão paciente,
   recolho do que em mim observo e escuto
   muda lição, que ninguém mais entende.

   O que sou vale mais do que o meu canto.
   Apenas em linguagem vou dizendo
   caminhos invisíveis por onde ando.

  Tudo é secreto e de remoto exemplo.
  Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
  E todos somos pura flor de vento.

                                Cecília Meireles

ANO NOVO (II)


   Nosso presente de Natal foi a caixa com a Poesia Completa de Cecília Meireles, publicado pela Global, em dois volumes, com coordenação editorial de André Seffrin.
   Antes que os foguetes espoquem e as luzes brilhem nos céus do planeta, bem antes disso, topei com um poema que preciso registrar aqui. Está no livro "Metal Rosicler", de 1960.


   36

   Não temos bens, não temos terra
   e não vemos nenhum parente.
   Os amigos já estão na morte
   e o resto é incerto e indiferente.
   Entre vozes contraditórias,
   chama-se Deus onipotente:
   Deus respondia, no passado,
   mas não responde, no presente.
   Por que esperança ou que cegueira
   damos um passo para a frente?
   Desarmados de corpo e alma,
   vivendo do que a dor consente,
   sonhamos falar   - não falamos;
   sonhamos sentir  -  ninguém sente;
   sonhamos viver  -  mas o mundo
   desaba inopinadamente.

   E marchamos sobre o horizonte:
   cinzas no oriente e no ocidente;
   e nem chegada nem retorno
   para a imensa turba inconsciente.
   A vida apenas à nossa alma
   brada este aviso imenso e urgente?

  Sonhamos ser. Mas ai, quem somos,
  entre esta alucinada gente?
  
                                    Cecília Meireles

   E então? Desarmado de corpo e alma, vivendo do que a dor consente, talvez eu esteja pronto para o novo ano. E vocês?

 

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

ANO NOVO (I)



   Nasci velho, nunca remocei.
   Dias se aboletam em meus ombros, vivo a suportar.
   Este sou eu: zarolho e manco, de forma geral.
   Gostava de ser feliz, estado que jamais reconheci.
   Vejo menos a cada dia; assim também descompreendo pessoas e mundo.
   Nada diferente do ano que passou, deste que passa;  talvez do que virá.
   Prometo-me tentar, pelo menos isso ainda consigo.
   O quê, não sei bem. Mas tentarei.
   Se chegar lá, se lá eu percorrer inteiro.
   Nasci velho, velho seguirei.

sábado, 9 de dezembro de 2017

COLUMBUS, O FILME


 
   Um filme gêmeo de Paterson, de Jim Jarmusch.
   De igual forma, belíssimo.
   Columbus é uma cidade, Paterson, também.
   A arte é o tema central de ambos os filmes.
   Filmes sobre nada.
   Não há neles coisa alguma que encante as novas gerações, com todo o respeito possível às exceções.
   Paterson é poesia, Columbus é poesia da matéria, se é que isso diz algo.
   Uma personagem transita pela cidade. E a admira, e dela bebe beleza.
   Columbus é pura imagem. Ângulos estonteantes, equilíbrios quase mágicos de cores.
   E a história? Que história?
   Kogonada, o diretor, trouxe o que há de mais impactante na arquitetura, uma presença disfarçada imprescindível, a construção humana que dá sentido à natureza em volta. 
   Cores, equilíbrio, alumbramento.
   Um filme onde nada acontece, ou quase nada. Mas que expõe a vertigem da forma em sua solidez ilusória, um golpe na mesmice.
   Como em Paterson, um asiático chega à cidade. Não no final, mas no início. Como em Paterson, a rotina impera, mas não aprisiona,     
   Como em Paterson, a lição pode ser registrada em caderninhos, mas é preciso reparar naquilo que nos cerca, no sonho real, no abraço possível, na proximidade a que negamos mérito. 
   Mais que um surpresa, Columbus reafirma a potência do cinema independente dos EUA. E nos faz espectadores confiantes no futuro do cinema. Como Paterson já adiantou.