Um livro especial, uma biografia familiar para ser lida como romance, na sugestão da própria autora. Vida real, nomes reais, mas todo mistério que cerca o viver submetida, no caso, a um pai dado a rompantes autoritários e em um tempo de afirmação do fascismo na Itália. Contra o qual, diga-se logo, a família se posicionou e, por conta disso, sofreu duras consequências.
Natalia Ginzburg quase nada relata de sua própria vida no seio da família: é o olhar, a escuta e a memória que fixa e nos entrega nesse livro os fazeres e dizeres de uma família italiana de origem judia nos duros tempos do fascismo. Com uma preocupação nítida em recuperar o linguajar praticado pelos pais, irmãos, parentes e amigos, frases e expressões que representam chaves emocionais instantâneas e eternas.
O Ginzburg, Natalia ganhou quando se casou com Leone, amigo de seus irmãos e companheiro de luta política, que morreu na prisão, deixando-a com três filhos, um deles o renomado historiador Carlo Ginzburg. Natalia Ginzburg trabalhou na famosa editora Einaud, ao lado de Cesare Pavese e Italo Calvino, figuras que aparecem no livro em passagens marcantes.
Trechos:
Meu pai voltava para casa sempre furioso, por ter encontrado no caminho cortejos de camisas-negras; ou por ter descoberto nas reuniões da faculdade novos fascistas entre seus conhecidos: - Palhaços! Safados! Palhaçadas! - dizia, sentando-se à mesa; batia o guardanapo, batia o prato, batia o copo e bufava de desprezo. [...]
Meu pai, quando morria uma pessoa, acrescentava imediatamente a seu nome a palavra "finado"; e ficava bravo com minha mãe que não fazia o mesmo. Esse do "finado" era um hábito muito respeitado na família de meu pai: minha avó, referindo-se a uma irmã falecida, dizia invariavelmente a "finada Regina" e não a evocava de outro modo. [...]
Quanto à minha mãe, ela era de índole otimista e esperava algum belo golpe de cena. Esperava que um dia alguém, de algum modo, "derrubasse" Mussolini. Minha mãe saía, de manhã, dizendo: - Vou ver se o fascismo continua de pé. Vou ver se derrubaram Mussolini. - Recolhia alusões e boatos nas lojas, e tirava disso auspícios animadores.
Léxico familiar, de Natalia Ginzburg, com tradução de Homero Freitas de Andrade, prefácio de Alejandro Zambra e posfácio de Ettore Finazzi-Agrò, Companhia das Letras, 2018.
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