O mais recente livro do Baricco publicado no Brasil, "A Noiva jovem", eleva a alturas olímpicas minha admiração pelo trabalho desse escritor italiano. Topei na leitura com alternância de voz narrativa, que ouso praticar em minha prosa, num nível eletrizante e fluido - não simplesmente do narrador onisciente para um dos personagens, mas, também, de personagem para personagem, com mestria e elegância. E com pequenos manifestos teóricos, dignos de destaque. Bacana. A história de "A Noiva jovem", no que me pareceu inevitável, enfrenta o tema sexo com a justa ousadia que o assunto requer, costurado com lirismo e inventiva típicos do autor. E, ainda, para finalizar este breve comentário, com um narrador principal, por assim dizer, expondo suas dificuldades práticas enquanto pensa e escreve a história de uma extravagante família italiana no início do séc. XX. Depois de "Seda" e os mais recentes "Mr. Gwin" e "Três vezes ao amanhecer", este "A Noiva jovem" vem acrescentar uma galeria inteira de personagens e cenas inesquecíveis ao acervo de fantasia e poesia, que tudo indica inesgotável, de Alessandro Baricco e, por conseguinte, de seus leitores.
Destaco um dos parênteses que o narrador abre na narrativa para teorizar sobre literatura e o trabalho que desenvolve, digamos, "diante" do leitor.
"(Obviamente, paginazinhas como estas parecerão ao editor que se ocupará delas, dentro de alguns meses, totalmente inúteis e tristemente pouco funcionais ao decurso da narrativa. Com a educação costumeira, me sugerirá cortá-las. Já sei que não farei isso, mas desde o presente momento posso admitir não ter mais probabilidade de acertar do que ele. O fato é que alguns escrevem livros, outros os leem: sabe deus quem está na melhor posição para entender alguma coisa. O coração de uma terra se concede a quem a vê com adulto maravilhamento, pela primeira vez, ou a quem nasceu lá? Não se sabe. Tudo o que aprendi, quanto a isso, é resumível em poucas linhas. Escreve-se como se poderia fazer amor com uma mulher, mas em uma noite sem luz alguma, nas trevas mais absolutas, e portanto sem vê-la nunca. Depois, na noite seguinte, os primeiros que passarem irão levá-la para jantar, ou para dançar, ou às corridas, mas compreendendo desde o primeiro momento que não conseguirão sequer tocá-la, quanto mais levá-la para a cama. A todos falta um pedaço, e raramente o encantamento se descerra. Na dúvida, eu tendo a confiar em minha cegueira e a tomar por boa a memória da minha pele. [...])
O sublinhamento é de minha autoria. Não só me identifico com o modus do narrador, como assim tenho dado minhas cabeçadas. E não vejo como ser diferente. Leiam Baricco, qualquer coisa, tudo, em especial este "A Noiva jovem", que tem tradução de Joana Angélica D'Ávila Melo, publicado pela Alfaguara, 2017.
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