segunda-feira, 13 de junho de 2011

VERMELHO AMARGO


Há dias em que o passado me acorda e não posso desvivê-lo. Esfrego os olhos buscando desanuviar a manhã que embaça o dia. Deixo a cama carregado pelos fados de ontem. Encaminho-me à cozinha sabendo não encontrar brasas cobertas de cinzas. Sorvo um pouco de café, e o sabor do quintal de meu avô já não me vem à boca. Sem possuir um olho de vidro, diviso o mundo vivido do mundo sonhado, com a nitidez da loucura. Meu real é mais absurdo que minha fantasia. O presente é a soma de nostalgias, agora irremediáveis. A memória suporta o passado por reinventá-lo incansavelmente. Tento espantar o presente balbuciando uma nova palavra. Tudo é maio, tudo é seco, tudo é frio.



"Vermelho amargo", de Bartolomeu Campos de Queirós, publicado recentemente pela Cosac Naify. Relato descontínuo, em parágrafos curtos, numa potente prosa poética. Aqui a mãe, ali a madrasta; aqui, os beijos curativos, ali o tomate friamente fatiado; entretempos, as perdas que esfacelam a família do narrador. Amargo e doloroso, como somente a vida sabe ser.

2 comentários:

  1. Amargo e doloroso, mas belíssima narrativa, concordo com você, uma das mais belas que li nos últimos tempos. Devastadora. Bartolomeu de Queirós demonstrou, mais uma vez, que é grande. Bjsamovc

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