segunda-feira, 3 de outubro de 2011

ULISSES

Que afinidades especiais lhe pareceram existir entre a lua e a mulher?

Sua antiguidade em preceder e sobreviver a sucessivas gerações telúricas: sua predominância noturna: sua dependência satélica: seu reflexo luminar: sua constância sob todas as suas fases, erguendo-se e pondo-se em suas horas indicadas, ficando cheia e sumindo: a invariabilidade forçada de seu aspecto: sua resposta indeterminada à interrogação inafirmativa: sua força sobre as águas efluentes e refluentes: seu poder de enamorar, mortificar, investir com beleza, tornar insano, incitar e auxiliar a delinquência: a inescrutabilidade tranquila de seu rosto: a terribilidade de sua isolada dominante implacável resplendente propinquidade: seus presságios de tempestade e de calmaria: a estimulação de sua luz, seu movimento e sua presença: a advertência de suas crateras, de seus mares áridos, de seu silêncio: seu esplendor, quando visível: sua atração, quando invisível.


Esta é uma das questões que compõem o capítulo dezessete do "Ulisses", de James Joyce, na tradução da professora Bernardina da Silveira Pinheiro, em edição da Objetiva, 2005. O estilo adotado no capítulo é o catequético, todo ele em perguntas e respostas, formuladas por um supranarrador especulativo endereçadas ao narrador onisciente do romance, que desvenda os movimentos físicos e intelectuais, por assim dizer, de Stephen Dedalus e Leopold Bloom, no interior e no jardim da casa do último, e muito mais de Bloom solitário. Concluo a terceira leitura deste romance de minha predileção como se fosse a primeira, já com saudades do capítulo inicial. E, sim, a tradução da professora Bernardina expõe a coloquialidade e o humor do texto de Joyce, praticamente inencontrável na tradução do professor Houaiss, na minha humilde opinião, e catapulta o prazer da leitura às alturas.


Um comentário:

  1. Uma beleza de trecho. Vi com que intensidade você releu este livro. Bjsamovc

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