Romance costurado por muitas vozes, uma voz sendo: a de um brasileirinho de origem estrangeira, escavando suas raízes. Por isso dói. Somos mesmo esse que caminha entre mata e mar, por uma areia fofa que exaure nossas forças. E que não chega a lugar algum. Talvez a um rio, onde um barqueiro que se ri de nossa desdita faça a precisa travessia.
Aquele que fomos construiu morros imensos de conchas marinhas, ao longo da costa, os sambaquis. Juntou a elas ossos de seus mortos. Aquele que chegamos a ser mais tarde triturou esse legado para pavimentar ruas e adubar terrenos. Aquele que somos espezinha uns e outros em meio a uma ignorância exasperante. E se mata e se morre em plena obscuridade.
A cultura dos sambaquis é um romance que honra a tradição da prosa brasileira: ousa na forma, ao coligir o material de pesquisa do protagonista, revela facetas pouco conhecidas de nossa história, antiga e recente, explora a aventura quixotesca das gerações pós-64, investiga a multiplicidade de vivências que os tempos modernos nos propiciam e trafega, por assim dizer, entre realidade e ficção com uma pegada forte e envolvente.
André Caramuru Aubert consegue um feito notável: conduz uma investigação de paternidade como se fosse investigação da identidade do ser brasileiro, já adiantei isso acima. Isso provoca no leitor a mais positiva das inquietações, a de se descobrir na leitura do livro. Somos esse misto de idealismo e de interesses desorientados, repleto de incompletudes formais, projétil que ricocheteia nas paredes do tempo, ora acertando isso, ora aquilo, ora a si mesmo, produtor de obras inacabadas, o que se consome em seus equívocos até desaparecer como promessa de grandes possibilidades, o que poderia ter sido, aquele que poderia ter dado uma grande contribuição etc. Igualzinho ao país do futuro que habita. Nossa cultura.
O livro foi publicado pela editora paulista Descaminhos, em 2014, e pode ser adquirido pelo sítio www.editoradescaminhos.com.br. Fica aqui uma entusiasmada recomendação de leitura.
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