quinta-feira, 12 de agosto de 2010

CARTAS DE FLAUBERT


"É estranho como eu nasci com pouca fé na felicidade. Eu tive, muito jovem, um pressentimento completo da vida. Era como um odor nauseabundo de cozinha que escapa por um respiradouro. Não é preciso ter comido para saber que vai nos fazer vomitar. Eu não me queixo disso, aliás; minhas últimas infelicidades me deixaram triste, mas não me surpreenderam. Sem perder nada da sensação, eu as analisei como artista. Se eu tivesse esperado coisas melhores da vida, eu a teria amaldiçoado; algo que não fiz.
[...]
Estou me tornando um artista com uma dificuldade que me desola; vou acabar sem escrever uma só linha. Creio que poderei fazer coisas boas; mas me pergunto sempre, para quê? O mais esquisito é que não me sinto desencorajado; eu me compenetro, ao contrário, mais do que nunca, da ideia pura, no infinito. É o que aspiro, o que me atrai; estou me tornando brâmane, ou talvez apenas um pouco louco. Duvido muito que eu componha alguma coisa nesse verão."

Trechos da carta de G. Flaubert a Maxime du Camp, datada de 7 de abril de 1846. Estou lendo, enfim, "Cartas exemplares", publicado pela Imago, em 1993, com tradução de Duda Machado. Adiante, publicarei trechos de cartas de um Flaubert mais amadurecido. Esta carta faz parte do primeiro bloco, intitulado "Infância - Os anos do aprendizado". Espantoso é constatar que, aos 9 anos de idade, Flaubert já escrevia a um amigo: "Eu vou lhe enviar também minhas comédias. Se você quiser que nos associemos para escrever, eu escreverei comédia e você seus sonhos, e como há uma senhora que vem em casa de papai e que nos conta sempre besteiras, eu vou escrevê-las."



Imagem: Bol fotos

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