Fui fiscal de portaria na Fonte Nova. Em jogos noturnos, chegava pelas 17h e saía uma hora depois de o jogo acabar. Em jogos diurnos, chegava às 11h e saía de noite. Gastava o que ganhava no almoço ou no lanche. Somente em Ba x Vi sobrava dinheiro bom, pois faturava proporcionalmente à renda da partida.
Da reunião inicial a gente saía para o portão escalado. De prancheta na mão, anotava a numeração das catracas, o que faria novamente após o fechamento do portão. O borderô era responsabilidade do fiscal. E entre uma coisa e outra, a gente ficava de olho na atividade da portaria para evitar que os ingressos voltassem inteiros para a mão dos cambistas, motivo maior da evasão de renda no estádio.
Em minha primeira noite de trabalho, disseram pra mim: - Vá ver o jogo, rapaz. - Eu, não! Tô fazendo meu trabalho. - Vá ver o jogo, rapaz. É melhor pra você. - Eu, não!, respondi, já invocado. Mas quem me dizia aquilo tinha o dobro do meu tamanho e da minha largura e da minha idade (eu tinha 17 anos), e uma carantonha assustadora.
Meu colega de fiscalização me puxou pelo braço: - Vem cá, bicho! Vamo dar uma voltinha. E me explicou que era melhor eu ir mesmo assistir a partida. Repetiu a explicação até eu murchar. - E você, vai ver também?, quis saber do colega. - Eu, não. Vou dormir na enfermaria. E me deixou lá plantado no deserto de cimento.
Aprendi ali que o mundo donde vinha não era real. Que a cidade grande funcionava diverso e que cheirava mal. Não fiquei fiscal da Fonte Nova por muito tempo, não tinha estômago praquilo.
Naquela primeira noite de fiscal da Fonte Nova preparei direitinho o borderô e vi o incrível Atlético de Alagoinhas jogar com Merica e Dendê no meio-de-campo.
Viria depois Osni entortar Roberto Rebouças do círculo central até a grande área, a estreia do magricela Bebeto, Beijoca rasgar o tempo até as redes, Edu Coimbra fazer um golaço com a camisa do meu Vasco, uma estranha e eficiente jogada do Vitória: Andrada batia forte o tiro de meta, Fischer escorava de cabeça na intermediária adversária e o centroavante do momento botava lá dentro.
Mais pra frente o futebol acabou.
Implodiram a Fonte Nova instantes atrás. Mas "memória não morre".
Imagem: Bol Fotos
Poxa, essa era uma história para o Arubinha. Grande!
ResponderExcluirVocê sabe que eu não tenho essa ligação com a Fonte Nova, mas o seu texto e as imagens dos escombros vistas ainda há pouco pela tv me deixaram muito emocionada. Bjs.
ResponderExcluirNão me canso de ouvir e ler as suas histórias... Memória invejável. Bjs
ResponderExcluirÉ, verdade, Carlos, "memória não morre". Concordo com Mayrant, coloca o link deste post lá no Arubinha. Abraço.
ResponderExcluirindico meu blog sobre a Fonte nova
ResponderExcluirwwwmemoriasdafontenova.blogspot.com
abs
franklin