segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

LEITURAS RECENTES

A PAIXÃO DE A. - de Alessandro Baricco, Cia das Letras, 2011, tradução de Roberta Barni. Apresentado como romance diferente dos anteriores, pelo tom realista em oposição à atmosfera onírica até então predominante em sua obra, o aguardado livro de Baricco, lançado na Itália em 2009, não traz nenhuma novidade: é igualzinho aos outros em estrato de beleza. Li de uma sentada. Está lá sua inconfundível prosa poética, inventiva estonteante, condução voejante e segura, e principalmente personagens inesquecíveis. O anônimo narrador nos conta de si e de seu grupo de amigos, que formam uma banda. Eles tocam na igreja, durante a missa. Baricco nos leva ao mundo dos que têm fé e uma certa inocência, amparada no cristianismo. Baricco nos aproxima do universo sensorial desses jovens e, aos poucos, nos envolve no ziguezague das descobertas juvenis na contemporaneidade e de suas consequências sempre imediatas. A vida que nos ensinam a viver e a vida que aprendemos a viver, sempre um desastre; o modo de amar que julgamos correto e o amor que explode qualquer barreira e se reveste da maior beleza que pode ser possível. Sonho e realidade, os territórios da literatura desse autor que, ao lado de Junot Diaz e Chris Offut, conseguem produzir a literatura mais atraente e inovadora de nosso tempo. Talvez porque escrevam sobre si mesmos e sua gente, da maneira que sabem, se lixando para o que possam achar dos seus livros.Talvez.

ZEN E A ARTE DA ESCRITA - de Ray Bradbury, Leya, 2011, tradução de Adriana de Oliveira. Surpreendente. Simples e direto, o autor relata sua experiência de escritor em ensaios escritos e publicados ao longo de décadas, reunidos no livro. "Encontre um personagem, como você, que vai querer ou não querer algo com todo o coração. Mande-o correr. Atire-o para fora. Depois o siga o mais rápido que puder. O personagem, em seu grande amor ou ódio, vai empurrá-lo até o final da história." Bradbury prega a honestidade como necessidade básica do escritor, que não deve hesitar ao escrever, não deve permitir elaborações do pensamento, deve executar sempre o "mergulho na verdade". Um livro para ser lido muitas vezes, não para aprender fórmulas, mas para sedimentar a disposição de rasgar a própria carne, de seguir o instinto, de deixar brotar das profun dezas do seu próprio ódio e das alturas de seus amores, o melhor que se pode expressar literariamente.

[POEMAS] - de Wislawa Szymborska, Cia das Letras, 2011, tradução de Regina Przybycien. Muito citada contemporanemante por seu poema "As três palavras mais estranhas", a poeta polonesa escreveu e publicou pouco, mas suficiente para merecer o Nobel em 1996. Dito isso, posso apenas acrescentar que a edição é bilingue e aqui o famoso poema citado: "Quando pronuncio a palavra Futuro, / a primeira sílaba já se perde no passado. // Quando pronuncio a palavra Silêncio, / suprimo-o. // Quando pronuncio a palavra Nada, / crio algo que não cabe em nenhum não ser." Poeta essencial, mesmo que gasta a expressão.

NOTAS DO SUBTERRÂNEO - de Fiódor Dostoiévski, Bertrand Brasil, 2008, tradução de Moacir Werneck de Castro. Também traduzido como "Memórias do subterrâneo", este pequeno romance causa no leitor uma gastura perturbadora. Um personagem investiga a miserabilidade de sua própria vida, sem se poupar de registros de mesquinhez, perfídia, fraqueza moral. Fiódor vai fundo, segue o personagem, como diz Bradbury, em suas andanças pervertidas e imobilidade pegajosa de inseto. Até onde podemos ir, mesmo que em fantasia? Mesmo que em tendência reconhecida e aceita? Ao ato ignóbil, à inércia suicida? "Ora, estou certo de que o homem jamais renunciará ao verdadeiro sofrimento, isto é, à destruição e ao caos. O sofrimento é a única fonte da consciência." Uma leitura que se equipara a enfrentar os desafios morais e intelectuais propostos pelo narrador, que servem muito mais a construção de dúvidas sobre a condição humana que qualquer certezinha de louça. O que é sempre muito bom.

3 comentários:

  1. Por enquanto só li Wislawa Szymborska, mas tou com muita vontade de ler os outros três. Sobretudo Baricco, claro.

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