Cristovão Tezza demonstra, em seu mais recente romance, possuir a habilidade dos grandes prosadores na moldagem de personagens interessantes e de narrativas que exploram as profundezas d'alma e as possibilidades do desejo e da inação. O ser humano a se ver e a se interrogar face ao que fez e ao que lhe fizeram, em preparo de angústias e de gestos extremos.
A ação de "O professor" transcorre de forma concentrada: do momento em que o protagonista acorda até o instante em que conclui sua arrumação para receber justa homenagem na universidade onde era catedrático. Algumas poucas horas de arrumação. Ocupa espaço limitado ao quarto, banheiro e sala de refeições.
Ocorre que a tal arrumação dá-se para além das abluções matinais, café da manhã e nó de gravata, trivialidades cotidianas, coisas de superfícies, mas na mais sombria profundidade da existência do professor Heliseu, linguista de cepa. É um chacoalhar de vidas.
Um mergulho na memória, o repassar de atos cruciais que o arrastaram até aquele precioso e temido momento. Um caminho marcado, também, pela investigação da linguagem. Tropeços, indecisões, incompreensões, desvios, surpresas diversas, perturbações de espírito, o sexo como fio condutor. O sexo tardio, mas provedor de delícias e confusões. A mulher o trai e o abandona, depois de também ser traída, o filho se rebela e escapa para outra vida, o trabalho finda com a aposentadoria.
O professor está só. Há uma morte antiga que o habita; outra morte mais recente o espicaça. O filho distante encarna o inimigo em seus piores pesadelos. E é esse o homem que se arruma para ser homenageado pelos colegas.
Eheh, não só as consoantes intervocálicas foram elididas para tudo dar no que deu, eheh.
O professor, de Cristovão Tezza, Record, 2014
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