[...] nós, os homens do sertão, somos fabulistas por natureza. Está no nosso sangue narrar histórias; já no berço recebemos esse dom para toda a vida. Desde pequenos, estamos constantemente escutando as narrativas multicoloridas dos velhos, os contos e lendas, e também nos criamos em um mundo em que às vezes pode se assemelhar a uma lenda cruel. Deste modo a gente se habitua, e narrar histórias corre por nossas veias e penetra em nosso corpo, em nossa alma, porque o sertão é a alma de seus homens. Assim, não é de estranhar que a gente comece desde muito jovem. Deus meu! No sertão, o que pode uma pessoa fazer com seu tempo livre a não ser contar histórias? [...] Eu trazia sempre os ouvidos atentos, escutava tudo o que podia e comecei a transformar em lenda o ambiente que me rodeava, porque este, em sua essência, era e continua sendo uma lenda. [...] Quem cresce em um mundo que é literatura pura, bela, verdadeira, real, deve algum dia começar a escrever, se tiver uma centelha de talento para as letras.
João Guimarães Rosa, em entrevista a Gunter Lorenz, publicada em "Diálogo com a América Latina - panorama de uma literatura do futuro", em edição da EPU - Editora Pedagógica e Universitária, SP, 1973.
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