O poeta está no que escreve, o poema é seu lar, sua estrada e desvios. Em cada ode, o poeta canta/ uma morte... O poeta arrasta consigo tudo que ainda não aprisionou no verbo, projeta nos desvãos suas agonias e sonhos. A curva,/ o baque,/ o presságio/ de uma ilusão. Talvez não seja nada disso, e bem aí resida todo encanto da literatura. O leitor pode não perceber sangue e lágrimas no brilho dos versos, e pode ser que nenhuma umidade haja nas páginas que lê, ou suas mãos é que sejam impermeáveis, vai saber o quê ou quem... Deus nos salve/ de Deus. Assim, a poesia se oferece aos que a procuram e a desejam, em especial, em tempos trevosos. Assim um livro de poemas se abre.
Aurora de cedro, de Tito Leite, tem todo jeito de estrada vicinal, embora ostente na clareza dos poemas uma aparência de estrada romana. O navegante/ é uma tarde esmagada/ na barca. Aurora é o nome da cidade natal do poeta, no cálido Ceará: nordestino, sertanejo pode falar em sabres, mas pensa em peixeira, conheço bem essa viagem. Não há estrada certa/ ou verdades incontestes. Pois o poeta sabe que tropeçamos quase sempre nos voos que ensaiamos diariamente. No fundo/ é tudo lodo,/ por isso me/ estilhaço todo. Riobaldo sorriria ao ouvir isso.
Tito Leite é monge beneditino. Pausa para um "oremos". Aqui entra o cedro do título do livro, madeira que é símbolo do Líbano, citada 75 vezes na Bíblia, utilizada em cerimônias religiosas e construção de templos desde o Egito antigo, segundo a Wikipedia, cujos uso e cheiro povoam o imaginário de judeus e cristãos. O cedro diz do trabalho do poeta: massa de combate, entalhe e polimento. Deus me sabe/ na moira/ das suas mãos./ São voláteis/ as minhas preces. Os poemas de Tito Leite expõem a batalha do homem e seu propósito terreno. Eu beijaria o caos diz o poeta em letras garrafais.
Li várias vezes Aurora de Cedro antes de comentá-lo aqui. O medo de que tudo/ dê em nada dói nos ossos. É possível sentir reverberar o clássico em suas linhas, do fraseado aos temas, das citações bíblicas às filosóficas, sem desprezar as referências da pop art, pois o poeta não se esconde: Eu habitava comigo/ como se a sonoridade do meu nome/ fosse um origami/ na aurora de cedro. Taí um livro que recomendo, de um poeta que se arrisca, de um homem que se agita em sua incompletude. Não ser de rebanho/ é não ter/ o cheiro/ do pastor. O cuidado na construção do verso Não ser de rebanho justifica tudo no meu sãofranciscano entendimento.
Aurora de cedro, de Tito Leite, publicado pela editora 7 Letras, Rio de Janeiro, 2019
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