Um dia, muito de repente, abri o embrulho. Olhei e li, lentamente, morfina. Um pavor frio tomou conta da minha barriga inteira. Uma vontade de correr, sumir no mundo, de me confessar com o Padre Viegas, me agarrou. Pedir uma penitência de três terços por ter ido longe demais, ter invadido o mundo, sem a professora. A palavra morfina me levou a muitos lugares e a outros exílios.
Morfina me trouxe o altar-mor, com o Cristo crucificado e deitado, morto de dor e chagas, coberto com um cetim roxo e triste, até a cintura. Mas entre mor e morte faltava um pedacinho que estava escrito na noite. Noite que me engolia para o nada.
[...]
O senhor Morais, com presteza, fervia a seringa na lata, armada como um navio incendiado no fundo do prato de louça. O álcool cheirava a meu pai quando voltava do trabalho. Ele parava no bar da esquina, com os amigos, como se numa estação da via-sacra.
Eu espiava, com dor, a agulha furar a carne pouca de minha mãe. Ela então não mais cantava ou gemia. Silenciava. A morfina apagava o altar-mor, a Josefina, o Mistura Fina, o José, e os ais do senhor Morais. Ela dormia a noite toda, um sono pesado, mas temporário, eu sabia, como tudo mais, naquela casa da rua Alferes Esteves.
Esta é uma amostra da literatura infantojuvenil praticada por Bartolomeu Campos de Queirós, em "Ler, escrever e fazer conta de cabeça", editado pela Global Editora, em 2004. Uma prosa rica em poesia que me foi apresentada por M. como exemplo de literatura infantojuvenil contemporânea. Narrativa sem diminutivos, que respeita o leitor de todas as idades, em especial, o público a que se destina.
Morfina me trouxe o altar-mor, com o Cristo crucificado e deitado, morto de dor e chagas, coberto com um cetim roxo e triste, até a cintura. Mas entre mor e morte faltava um pedacinho que estava escrito na noite. Noite que me engolia para o nada.
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O senhor Morais, com presteza, fervia a seringa na lata, armada como um navio incendiado no fundo do prato de louça. O álcool cheirava a meu pai quando voltava do trabalho. Ele parava no bar da esquina, com os amigos, como se numa estação da via-sacra.
Eu espiava, com dor, a agulha furar a carne pouca de minha mãe. Ela então não mais cantava ou gemia. Silenciava. A morfina apagava o altar-mor, a Josefina, o Mistura Fina, o José, e os ais do senhor Morais. Ela dormia a noite toda, um sono pesado, mas temporário, eu sabia, como tudo mais, naquela casa da rua Alferes Esteves.
Esta é uma amostra da literatura infantojuvenil praticada por Bartolomeu Campos de Queirós, em "Ler, escrever e fazer conta de cabeça", editado pela Global Editora, em 2004. Uma prosa rica em poesia que me foi apresentada por M. como exemplo de literatura infantojuvenil contemporânea. Narrativa sem diminutivos, que respeita o leitor de todas as idades, em especial, o público a que se destina.
É um dos livros mais bonitos que já li. E parece que ficou mais belo ainda depois que o comentamos. Bjsamovc
ResponderExcluirBravo!!
ResponderExcluirEsse eu nunca li, vou procurar. E rápido.