Este é um grande momento da literatura brasileira: o lançamento da Poesia Reunida e Inéditos, de Florisvaldo Mattos. Aposentado das lides jornalísiticas, o poeta lapida sua obra para nosso deleite. Dia 14, próxima quinta-feira, temos um encontro marcado com o melhor da poesia e da amizade. Na livraria Cultura do shopping Salvador. Regado a bom vinho, com certeza.
"O vasto conjunto lírico que encontramos nesta Poesia reunida e inéditos representa, portanto, um monumento da poesia brasileira de entre a segunda metade do século passado e a primeira década do presente, erguido por um espírito agudamente atento ao tempo e dele liberto, como sempre é, paradoxalmente, o dos grandes poetas." (Alexei Bueno).
Aí vai um aperitivo, que um dia o poeta me enviou por e-mail (que não consegui publicar aqui em sua forma correta, em quartetos, pelo que me desculpo):
DUAS ALMAS
Quando Auden nasceu, já Kaváfis ia
Por botequins à caça de mancebos.
Na gelada York, o sol fulgia lépido,
Tanto quanto o farol de Alexandria.
Quando morreu Kaváfis, Auden já
Deixara o áspero barro de Inglaterra,
Por desgosto, por dor, talvez vergonha
De insano amor sujeito a controvérsia.
História e erotismo a ambos deram chão
De sentir e veraz profundidade.
Nada lhes obsta o ardor de transgredir,
De afrontar maldições, hipocrisias.
Irmãos de alma e desejo interditado,
A sombra de ambos pelos portos vaga,
Adentra alcovas cujos balcões se abrem
Para oásis de prazeres e jardins.
Espelho de iguais em duas idades,
Se neste um se mira, logo o outro põe
No lume de cristal que reverbera
Douto narciso de modernidades.
É límpido o que a face do cristal
Reflete, igual à líquida de um rio:
Um – rei do Egito, o cinto de ametista;
O outro, a túnica sépia de milícia.
Dupla tenaz que para o mundo ostenta
A aura sábia de seres desertados.
Kaváfis, Auden: um, dois séculos viu;
O outro, só um – de horror, tormento e guerra.
Ambos hoje nos parques de jacintos
Unidos vão, espíritos de mãos
Dadas, que ao chão da vida mais importam
Sonho e amor nas pegadas da beleza.
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