segunda-feira, 27 de maio de 2013

PATRIMÔNIO, PHILIP ROTH


A leitura de certos romances pode ser muito dolorosa. Ler "Patrimônio", que tem como subtítulo, "uma história real", levou-me a um passado não tão distante ainda, no qual vivenciei experiência semelhante à que Roth narra: acompanhar a decrepitude física do pai até a morte. Terminei hoje pela manhã e até agora ando sorumbático, agindo maquinalmente e pensando em meu pai, que se foi após um longo tempo de prostração e agonia. Pais cuidam de filhos, filhos cuidam dos pais, esta a lei natural, esta a obrigação que o sangue determina, acima de qualquer dificuldade ou veleidade humana. 

 Deixo aqui um trecho que me fez tremer mãos e queixo:

    "Pedi ao médico que me deixasse a sós com meu pai, ou tão a sós quanto era possível em meio à azáfama da sala de emergência. Sentado ali e observando seu combate para continuar a viver, tentei me concentrar no que o tumor já lhe causara. (...) Pensei nos horrores que inevitavelmente viriam pela frente, mesmo supondo que ele pudesse ser mantido vivo num pulmão de aço. Vi tudo, tudo, e mesmo assim tive de continuar sentado lá por um longo tempo antes de chegar o mais perto dele que pude e, com os lábios quase tocando seu rosto encovado e arruinado, finalmente encontrar forças para sussurrar: "Papai, vou ter que deixar você ir embora". Ele já estava inconsciente havia horas e era incapaz de me ouvir, mas, em choque, aturdido, chorando, repeti aquilo muitas e muitas vezes até eu mesmo acreditar no que dizia.
     Depois disso, só me restou seguir sua maca até o quarto onde o puseram e me sentar ao lado da cama. Morrer dá trabalho, e ele era um trabalhador. Morrer é pavoroso, e papai estava morrendo. Peguei sua mão, que ao menos eu ainda sentia como sendo sua mão, afaguei sua testa, que ao menos ainda parecia ser sua testa, e lhe disse todo tipo de coisas que ele não podia mais registrar. Por sorte, de tudo que eu lhe disse nessa manhã, nada havia que ele já não soubesse."

Patrimônio, Philip Roth, tradução de Jorio Dauster, Cia das Letras, 2012,
Imagem: Philip Roth, Bol Fotos

Um comentário:

  1. Muito belo e terrível o trecho. Quero ler, sempre ler e reler Roth. Bjsamovc

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