O quarentão Abdias é professor em um colégio de moças. Uma delas se chama Gabriela, e basta. Abdias é casado, tem filhos, trabalha num museu, o ensino é bico. Abdias imita Tolstoi: escreve duplo diário, um para consumo da curiosidade alheia, que deixa sobre qualquer mesa, e outro, secreto, em que narra seus encontros e desencontros de pretensão amorosa. E Minas, ali, sempre Minas. O texto de Cyro chega a comover ao expor, com brilho e leveza, a moldura moral e erudita de uma sociedade afetada, presunçosa e hipócrita. Abdias engendra visitas, passeios, pesquisas, para ter Gabriela por perto. Fantasia a morte da própria mulher. Mas não há, em Minas, esperança para o que foge à tradição. Nem mesmo uma Gabriela furta-se inteiramente à família mineira. Mas sempre haverá o Rio de Janeiro para as novidades, pois não. E assim é que alguns sonhos se realizam. Isso também vale para Abdias. A eterna questão é, não custa repetir, que não sabemos direito o que fazer ao ter nas mãos o produto de um sonho.
ABDIAS, Cyro dos Anjos, Ed. Globo, 2008
Publicado originalmente na Verbo21.
É um livro lindo. Bjsamovc
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