segunda-feira, 17 de outubro de 2016
ÂNGELA VILMA E ANA MARTINS MARQUES
PARA FERNANDO PESSOA
Dizem que não finjo, não minto
quando escrevo. Dizem que nada
é ficção. E buscam dados
biográficos
de minha imaginação.
Ah, como uso o coração!
Como uso o coração!
Talvez por isso vejam a verdade
no que escrevo. E quando digo
que minto, há uma derrisão:
penso que acreditam, ou sei não:
se desviam em risos, ou
nunca mais em nada acreditam
ou acreditarão.
Como uso o coração!
Escrevo o que sinto, mentindo.
Vivendo, não.
(Ângela Vilma)
FACA
Como chamar faca
tanto aquela
enfiada na fruta
quanto aquela
enfiada no peito?
como chamar fruta
tanto o sol polpudo da laranja
quanto a lua doce da lichia?
como chamar peito
tanto o peso oco do meu coração
quanto o peso oco do seu coração?
(Ana Martins Marques)
Poemas extraídos dos livros "A Solidão mais funda", de Ângela Vilma (Mondrongo, 2016) e "O livro das semelhanças", de Ana Martins Marques (Companhia das Letras, 2015). As poetas participaram de mesa intitulada "Exílios interiores", na Flica 2016, no sábado passado, com mediação da professora de literatura e poeta Mônica Menezes.
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