segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017
HERBERTO HELDER, ÚLTIMOS VERSOS
[...]
se vendessem o gás a retalho o comprava apenas o gás da morte,
e mesmo assim tinha de comprá-lo fiado,
não sei o que vai ser de minha vida,
tão cara, Deus meu, que está a morte,
porque já não me fiam nada onde comprava tudo,
mesmo coisas rápidas,
se eu fosse judeu e se com um pouco de jeito isto por aqui acabasse nazi,
já seria mais fácil,
como dizia o outro: a minha vida por muito pouco,
uma bilha de gás,
a minha vida quotidiana e a eternidade que já ouvi dizer que a habita e move,
não me queixo de nada no mundo senão do preço das bilhas de gás,
ou então de já mas não venderem fiado
e a pagar um dia a conta toda por junto:
corpo e alma e bilhas de gás na eternidade
- e dizem-me que há tanto gás por esse mundo fora,
países inteiros cheios de gás por baixo!
Aí está a parte final do último poema de "A morte sem mestre", de Herberto Helder, poeta português, morto em 2015 aos 84 anos de idade. Extraídos do volume "Poemas completos", publicado no Brasil pela editora Tinta da China como parte da coleção Grandes Escritores Portugueses, em 2016.
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