"[...] a maioria das pessoas instruídas com quem conversei fora da academia não sabia que talvez haja dois Rei Lear, muito menos três Hamlet. E que as versões divergentes levantam questões sérias para todos os que se importam com essas peças. Essa é apenas uma dentre várias questões, debates, argumentos, guerras seculares, urgentes e genuinamente importantes que vêm acontecendo e que merecem atenção, caso achemos que vale a pena se interessar por Shakespeare. Até mesmo a razão de acharmos que vale a pena se interessar pela obra de Shakespeare é tema de um debate interessante. Devido a seus 'temas'? Devido à beleza e ao prazer da linguagem? Ou será que beleza e prazer não são mais categorias legítimas de valor? E o que torna diferentes, se é que são diferentes, a beleza e o prazer 'shakespearianos'?"
Ron Rosenbaum é professor de jornalismo na Universidade Columbia (EUA), é formado em literatura inglesa por Yale e colaborador do New York Times Magazine. Publicou alguns livros bem recebidos por público e crítica, entre eles Para entender Hitler. Foram anos de pesquisa e entrevistas para escrever As guerras de Shakespeare. As melhores passagens são aquelas ligadas ao diretor de teatro e cinema Peter Brook, a quem o livro é dedicado. Leiam a seguir uma de suas declarações:
"- Um certo nível de escritor [...] usa os personagens como seus porta-vozes. O nível seguinte usa seres humanos, mas apenas aspectos deles, sua humanidade não é completa; outro nível pode dar vida rápida, mas só a um pequeno elenco, a pequenos papéis. Mas a noção de Shakespeare de que cada personagem tem facetas infinitas, de modo que podemos assistir a ele ano após ano, podemos dar interpretações novas a qualquer personagem e eles são sempre baseados em verdades que estão lá... Iso é inigualável, e acho que é inseparável de Shakespeare ser tão anônimo. Uma coisa que todos podemos concordar a seu respeito é que é o menos conhecido de todos os grandes escritores"
Mais um pouquinho de Brook: "- Ele (Shakespeare) consegue entreouvir e notar dois tipos de coisa: toda a vida e todo o barulho que se despeja com grande entusiasmo. Mas, ao mesmo tempo, muito embora seja um homem bastante prático, consegue evocar, com palavras, mundos distantes, histórias estranhas, ideias espantosas, e elaborá-los e vinculá-los numa insinuação de significado na sociedade, com relação aos deuses, uma sensação de realidade cósmica... tudo isso pulsava em sua mente, todos esses níveis ao mesmo tempo."
Leitura apaixonante. Sei que depois dela já repassei longos trechos de peças, cuja leitura, havia desprezado anteriormente, como Ricardo III, por exemplo. O problema é a tradução, que nos afasta do ritmo shakespeariano... bem, isso lá é outra imensa coisa. Conhecer a obra de Shakespeare já é muito e necessário e maravilhoso.
As guerras de Shakespeare, de Ron Rosenbaum, publicado pela Editora Record, 2001, em tradução de Maria Beatriz de Medina, 713 pgs.
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