domingo, 11 de dezembro de 2016

A FILHA PERDIDA, ELENA FERRANTE




   Todos os livros que li de Elena Ferrante são narrativas na primeira pessoa. A série napolitana é conduzida pela voz de Lenu, também Elena. Dias de abandono e a A filha perdida são conduzidas pelas vozes das mulheres protagonistas. De igual forma, Uma noite na praia, livro infantil, nos é contada pela boneca abandonada. O que isso quer dizer, por certo, críticos mundo afora já destrincharam, rotularam e carimbaram. De minha parte, vejo apenas uma predileção da autora, até o momento, por essa forma de contar histórias. Ou, simplesmente, porque as histórias "pediram" para vir a lume por essas vozes específicas. E fim. 

   A filha perdida traz uma professora de literatura que vai sozinha à praia no período das férias de verão. Aluga um apartamento numa cidadezinha da costa jônica e passa a frequentar certa faixa de praia em que pontua uma família napolitana. Férias na praia, família napolitana, um moço chamado Gino, uma jovem mãe casada com um homem mais velho, uma menina chamada Elena e sua inseparável boneca, universo bem conhecido dos leitores de Ferrante. Nada de importante parece acontecer e fatos terríveis se preparam. A professora tem 48 anos, mas aparenta ser mais jovem. Tem duas filhas adultas que moram com o pai no Canadá. E ela não está sozinha de férias na praia impunemente. Ferrante tem uma qualidade extraordinária como escritora: não deixa nenhuma convenção social, e ousaria dizer preferência pessoal, contaminar seu texto. Devem dizer por aí que ela é feminista, mas não sinto isso nos seus livros, embora a condição feminina esteja sempre no centro da trama A crueza dos fatos, sua verdade mais profunda e oculta, as possibilidades da ação benéfica ou maléfica são perseguidas e expostas por meio de um dos melhores textos que tive o prazer de ler nos dois últimos anos.

   A condição de mulher madura, culta, experiente e sábia não afasta da professora universitária a arrogância, a vaidade intelectual, o egoísmo desnaturado, a carência, a solidão, um ou outro trauma de infância. Diariamente, segue os movimentos da família napolitana e os contrapõe, aqui e ali, com a sua história pessoal. Aos poucos se envolve com alguns deles, com o salva-vidas e com o corretor que lhe arrumou o apartamento. O texto então realiza o que a melhor literatura faz com o leitor: seduz, transporta, envolve, excita, angustia, assusta, encanta. Aquela família napolitana viverá momentos de desespero e tensão em suas férias e a professora voltará mais cedo para casa, depois de perder o afeto que conquistou, naqueles dias, da pior maneira possível. Seguir um impulso pode resultar em abismo incontornável.

   Depois de Alessandro Baricco, vem da Itália mais um talento literário inquestionável, de quem devemos ler tudo que escrever, seja lá quem for Elena Ferrante.  

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