quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

LANÇAMENTO NA CONFRARIA DO FRANÇA, SÁBADO, A PARTIR DAS 11:30H



Um livro fundador

Fernando Bonassi*

Evento estético e político fundamental das últimas décadas em nosso país foi a entrada da periferia das grandes cidades na paisagem da cultura. Hoje não se discute a força que tem esse território, mas durante muito tempo esta espécie de “não-lugar” permanecia sem voz que a expressasse... Até aparecer Sabor de química, em 1976; nele se operavam maravilhas: primeiro, o talento do autor ao dar forma artística a uma realidade que ainda se processava. Vivia-se o fluxo migratório dos anos 70, e os brasileiros que chegavam para construir a “cidade grande”, terminavam pelos arrabaldes baratos, como estoque de mão de obra da indústria. Roniwalter Jatobá decidiu olhar para isso, e o espanto em seu texto era a ousadia de penetrar o mais profundo da alma “dessa escória”, traduzir a angústia e a loucura da miséria por dentro, e não apenas como elemento sociológico de um plano intelectual. Havia também a justaposição das duas partes do livro, com histórias do sertão e da cidade: ao acompanhar o deslocamento de um personagem mais típico de uma certa cultura rural, Roniwalter registrava, para além de seu próprio campo e tempo histórico, a transição do regional para o urbano, que acontecia no imaginário brasileiro.
Em 1978 vem as Crônicas da vida operária, em que o inferno do trabalho se junta à atmosfera da ditadura e produzem um poderoso painel de nossa experiência recente. São narrativas sobre a inutilidade do esforço, a destruição dos laços afetivos e a mutilação dos corpos pelas necessidades materiais, o homem virado em número e valor de produção; tramas sombrias que, à luz do que vivemos, permanecem atuais.
Tiziu, novela na terceira parte deste livro, apareceu em 1994 e conclui o projeto literário. Na trajetória de Agostinho, que volta derrotado à sua cidade de origem, ecoam todas as vozes de Roniwalter -- as que têm nomes e as anônimas, as que gritam seu desespero e as que contemplam o fracasso em silêncio -- todas elas tecidas com enorme vitalidade poética.
O leitor tem nas mãos um livro fundador daquilo que somos e fizemos de nós mesmos.


*Fernando Bonassi é escritor e roteirista

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