O Brasil parece parado no tempo a repetir experiências sem gerar aprendizado relevante. Tudo que construímos ostenta marcas passadiças, propósitos turvos, resultados duvidosos à custa do suor e do sangue dos mais pobres. Agora mesmo somos arrastados por uma onda reversa que pretende ressuscitar o país de 50 anos atrás, aquele que a Ditadura Militar engendrou com seus atos institucionais. Piorado, em verdade, por um fundamentalismo religioso que espanta por sua solidez e profunda ramificação nos estratos sociais. Temos, sim, uma tendência ao desastre, por mais que nossa bossa brilhe nos palcos do mundo.
Em seu primeiro romance, As margens do paraíso, Lima Trindade deixa isso bem claro: projetamos paraísos sobre corpos despedaçados e almas corrompidas; estamos sempre às margens de algo promissor, marcados por desesperança e perdas irreparáveis. Do Rio de Janeiro, de Juazeiro/BA e de Anápolis/GO partem os três protagonistas do romance - Rubem, Leda e Zaqueu - em busca da nova Canaã, a Brasília que os candangos erguiam no Planalto Central do Brasil. Jovens, deslocados em seus ambientes de origem, Brasília representou para eles, e aos brasileiros em geral, o farol e a oportunidade quando a crise se instalou em suas existências. Fico pensando que jovens como eles acorreram a várias outras terras prometidas ao longo de nossos séculos, obtendo resultados bem parecidos ou iguais. Porque "o sistema é bruto", já se conhece bem o bordão.
Lima Trindade mostra apuro na definição particular das vozes narrativas e no trabalho de pesquisa que recupera ambientes e climas nas diversas cidades envolvidas na trama e naquela que se constrói na interlândia. Brasiliense de nascimento, Trindade oferece ao leitor, enquanto expõe o drama que move e aproxima seus personagens na capital que ajudam a construir, o conhecimento do cotidiano dos peões nos canteiros de obras e nos barracões, nas biroscas empoeiradas e nos puteiros baratos e de luxo, e até mesmo dos trabalhadores mais qualificados, entre esses, os embriões ou filhotes dos empreiteiros celebridades da contemporaneidade. Por isso a impressão de que estamos a nos repetir da pior forma possível.
A construção de Brasília durante o governo JK até hoje provoca polêmica. Mas sua edificação, em si mesma, foi grandiosa em todos os sentidos. A propaganda governamental tem nos bombardeado ao longo das décadas com seus aspectos positivos, mas sabemos que essa é uma história que ainda esconde episódios nebulosos e trágicos, que merecem investigação sensível e cuidadosa, como essa que nos traz As margens do paraíso.
O romance recupera um grande momento do Brasil - campeão do mundo no futebol em 1958, Pelé e Garrincha, a bossa nova, JK e Brasília - para costurar com a alegria, o gozo e o desespero da juventude de seus protagonistas, um sonho de construção de um mundo melhor. Sonho que nunca nos cansamos de sonhar, cobertos de poeira ou de mágoa, embriagados por idealismo ou por álcool, mesmo ao comungar com Mauro, personagem que funciona como arauto do novo mundo, quando afirma: "Reflito nesse momento de profundo vazio e na ideia de que, algumas vezes, a única saída existente seja abraçar a bala em seu trajeto, seja esquecer o medo, não olhar para trás."
Lima Trindade realiza com As margens do paraíso uma bela contribuição à literatura brasileira, ao romance social que temos praticado contemporaneamente.
As margens do paraíso, Lima Trindade, Companhia Editora de Pernambuco - CEPE, Recife, 2019
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