Aqui está um belo romance, um grande prosador.
Aqui está um povo inteiro a se movimentar no tempo.
Abrigado pelas asas dos encantados.
A dançar o jarê, a cavoucar a terra, a recolher peixes nas torrentes.
Daqui flui suor e cheiro das peles negras.
E muito sangue, também.
Pois não há movimento que fuja a desfecho sangrento.
E não há pessoa ou povo que suporte por muito tempo açoite.
Aqui a memória se aviva, revê o ciclo doloroso da servidão.
E a agitação de corpos e mentes no esforço para rompê-lo.
Aqui mora a família Chapéu Grande, uma que merece verbete.
Pois grande é o coração do serviço de cura.
Aqui está a prova de que não há tema esgotado.
Torto arado se irmana a Tempo de espalhar pedras.
Itamar Vieira Junior finca o pé no topo.
E faz isso por cavar profundo na alma.
Por valorar os caminhos e as tormentas de sua etnia.
Por escrever sobre o que bem conhece.
Adentre, leitor, na esgotada Chapada Velha.
Sem diamantes, mas com os coronéis de sempre.
E o povo deseirado, destelhado, coberto apenas por barro seco.
E conheça duas irmãs, como outras tantas, a viver suas desditas.
Nas covas do Viração.
Na agitação de servir a uma antiga entidade.
Quanto cabe de revolta num silêncio forçado?
Donana sabia, Belonísia também, Bibiana aprendeu.
Não há vida sem loucuras repentinas, pois a dor assume essa forma.
O que foi se repete, pra nossa desgraça e vergonha.
Torto mundo, vidas tortas, coisa sem jeito, pelo que vemos na tevê.
Mas é preciso conhecer, reconhecer até aprender a servir e a perdoar.
O tapa de Mãe Salu precisa marcar de vez o rosto do Brasil.
Torto arado, de Itamar Vieira Junior, romance vencedor do Prêmio Leya 2018, publicado no Brasil pela Editora Todavia, em 2019.
Nenhum comentário:
Postar um comentário