Eis que finalmente tenho em mãos "Uma história do paraíso", o mais recente livro de poemas inéditos de Ruy Espinheira Filho. Lançado no dia 25 de julho passado, na sede da editora Patuá, Vila Madalena, São Paulo, o livro reúne em suas cento e poucas páginas outra leva do lirismo peculiar do autor, um produtor incansável de poemas antológicos. Direi mais, adiante, depois de outras leituras e outras emoções. Trago aqui um exemplo de poema pleno, irretocável, daqueles que ao fim da leitura nos deixa mergulhados em revoltas considerações sobre o que verdadeiramente importa na vida.
UM CASO DE AMOR
1
Já era uma certeza: ele a amaria
por toda a vida.
2
E foram beber um vinho.
E na segunda taça lhe declamou
Jorge de Lima:
A garupa da vaca era palustre e bela...
3
Declamou comovidamente o soneto.
E, ao fim, fitou o seu belo rosto, os olhos,
em busca de emoção.
4
E não havia nenhuma.
5
Ela apenas o fitava de maneira impassível.
Bebeu mais um gole, confuso: certamente
declamara muito mal,
teria que tentar fazer melhor.
6
E tentou.
A garupa da vaca era palustre e bela...
7
Nunca havia declamado tão apaixonadamente.
Sentia nos olhos uma lente de águas
trêmulas.
Através das quais via novamente a
impassibilidade.
Quase soluçou, mas se conteve.
8
Apressou, com generosos goles, o fim da garrafa.
Pagou a despesa. Levou-a até a casa, de táxi,
despediu-se com um aceno.
9
Voltou ao bar. E, então,
concluiu:
impossível alguém
sem nada sentir ao ouvir que
A garupa da vaca era palustre e bela...
10
Pediu um tinto Gran Reserva e,
com a emoção de um homem livre,
ergueu-se um brinde,
feliz de alexandrinos que certamente amaria
por toda a vida
e que estariam sempre a lembrar-lhe,
bela e generosamente,
que
A garupa da vaca era palustre e bela...
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