quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

WIESEL E HELLMAN





     Nos últimos dias, li dois livros num rompante: O caso Sonderberg, de Elie Wiesel, e Pentimento, de Lilian Hellman. Unidos pela origem judaica dos autores e pelo teatro, como tema, esses livros me passaram rapidamente pelas mãos e me deixaram boas impressões. Por isso, enquanto, reparo de esguelha a bola rolar em verdes gramados distantes, digito estas para registro memorial.

    WIESEL - Não tenho aqui o exemplar do livro de Elie Wiesel, para citar algum trecho, mas posso dizer que o protagonista Yedidyah, apaixonado pelo teatro, desiste da carreira de ator e migra para a crítica de teatro, gentilmente empurrado por seu professor. E acaba cobrindo um julgamento  que envolve um jovem alemão, estudante em Nova York, acusado de ter assassinado um tio que o visitava, durante um passeio na montanha. Claro que até chegar ao julgamento, Wiesel nos apresenta Yedidyah, sua família, sua mulher Alyka, e seu interesse crescente por religiosidade. Mas o teatro é a força motriz da narrativa, o que leva o crítico a cobrir um julgamento como se fosse uma peça em muitos atos, mas que no final pode levar alguém à morte. 

    Wiesel costura muito bem as origens das angústias de Yedidyah e do drama vivido pelo jovem Sonderberg. Um alemão descendente daqueles que "encenaram" a grande tragédia do povo judeu, e um americano de origem judaica, cujos filhos lutam as novas batalhas em defesa de Israel. Um se declara "culpado e não culpado" e o outro revira o passado em noites de pesadelo. Pequeno em extensão, O caso Sonderberg é um livraço, simplesmente.

     HELLMAN - "Estou agora em uma idade em que a supressão de coisas antigas deve ser observada com cuidado, e qualquer frase que comece com 'lembro-me' é grande demais para o meu gosto, mesmo quando sou em quem a diz", crava Lilian Hellman no texto intitulado "Teatro". Pentimento reúne retratos memorialísticos a partir de pessoas da família, amigos e do teatro, que a projetou como autora. Resulta em livro autobiográfico, no qual Hellman nos conta de suas insegurança, impetuosidade, rebeldia e convivência com vários amigos e com seu grande amor, Dashiell Hammett, por 30 anos. E de sua luta com as palavras e tramas, claro.

     "Penso que o fracasso de um segundo trabalho é mais prejudicial para um escritor do que qualquer outro fracasso que vier depois", aponta com firmeza ao tratar de sua segunda peça Days to come. Criada entre Nova York e New Orleans,  Hellman recupera nesse livro episódios, como os dias negros de perseguição pelo macartismo, e familiares que tiveram importância em sua formação personal e que a marcaram por seus tipos impagáveis e performances memoráveis, como a tia Jenny e o tio Willy. Até mesmo uma tartaruga mereceu dela um capítulo inteiro que, na verdade, é construído como se fosse o relato de seu primeiro "assassinato". Memorável, portanto. E Hammett sempre ali, provocante, crítico e implacável. "Julia", narrativa de um episódio em que Lilian Hellman se envolveu na luta contra o nazismo, a pedido de uma amiga militante em plena Alemanha, seria adaptado em 1977 para o cinema, e é parte integrante desse livro, prenhe de verdade e rico em emoção.

     E que título formidável! Igualzinho ao conteúdo.







       

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