sexta-feira, 13 de novembro de 2015

MERIDIANO DE SANGUE, CORMAC McCARTHY


   Toadvine e o kid permaneciam em seus cavalos contemplando aquela desolação com os demais. Na extensão distante da playa um oceano frio rebentava e água desaparecida havia milhares de anos esparramava-se em marolas prateadas sob o vento matinal.
   Parece o barulho de uma matilha de cães, disse Toadvine.
   Pra mim parecem gansos.
   De repente Bathcat e um dos delawares viraram seus cavalos e os fustigaram e gritaram e a companhia fez meia-volta e se agrupou e começou a percorrer numa fila o leito do lago na direção da exígua linha de arbustos que delimitava a margem. Homens pulavam de seus cavalos e os manietavam instantaneamente com peias de corda arranjadas de improviso. No instante em que terminaram de prender seus animais e haviam se atirado ao solo sob a moita de creosoto com armas a postos os cavaleiros começaram a surgir distantes no leito do lago, um fino friso de arqueiros a cavalo que bruxuleavam e guinavam sob o calor crescente. Cruzaram a frente do sol e evaporavam um a um para então reaparecer e eram negros sob o sol e cavalgavam através daquele mar evaporado como fantasmas estorricados com as patas dos animais pisoteando e agitando a espuma que não era real e se perderam sob o sol e se perderam no lago e tremeluziram e se agruparam em um borrão para então dispersar novamente e cresceram plano a plano em lúridos avatares e começaram a se amalgamar e então começou a aparecer acima deles no céu puncionado pela aurora um símile infernal de suas hordas cavalgando em fileiras gigantescas e invertidas e as patas dos cavalos incrivelmente alongadas pisoteando os cirros finos e elevados e os ululantes antiguerreiros pendendo de suas montarias imensos e quiméricos e os gritos altos e selvagens repercutindo através daquela bacia achatada e estéril como os gritos de almas invadindo por algum rasgo no tecido das coisas o mundo inferior.
 
 
 
A isso chamo de momento grandioso da literatura, o narrador inteiramente dentro da cena, partícipe e menestrel, trazendo para o texto toda a potência e colorido da movimentação dos personagens, embriagando o leitor com sequências de imagens de esbugalhar olhos e reter respiração.
Cormac McCarthy, em "Meridiano de sangue" (tradução de Cássio de Arantes Leite, Alfaguara/Objetiva, 2009), alcançou o topo dos grandes romancistas universais em 1985. Leio mais uma vez o "Meridiano de sangue" pelo simples prazer da leitura de um belo texto. E sentindo suas semelhanças com o "Grande sertão: veredas", de Guimarães Rosa, os espaços imensos, a guerra fratricida, os limites extremos de generosidade e violência, o desamparo do homem diante da força da natureza, a base histórica. E até um Candelário já encontrei no "Meridiano"...rs. Fica a sugestão de leitura necessária.

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