terça-feira, 24 de novembro de 2015

TRÊS VEZES AO AMANHECER, de ALESSANDRO BARICCO



   Depois de passeios pela noite alta, fiz um retorno ao "Três vezes ao amanhecer", o livro de contos de Alessandro Baricco, publicado pela Objetiva, selo Alfaguara, este ano, em tradução de Joana Angélica D'Ávila Melo. O livro surgiu primeiro no romance "Mr. Gwyn", do próprio autor, como misteriosa publicação de um certo Akash Narayan. Em nota introdutória, Baricco diz que, enquanto escrevia o romance, "senti vontade de também escrever aquele livrinho, um pouco para dar uma leve e distante sequência a 'Mr. Gwyn'  e um pouco pelo simples prazer de perseguir uma certa ideia que eu tinha na cabeça." Uma maravilha de livro.
 
   Aqui estão alguns trechos de "Três vezes ao amanhecer":
 
   UM
   [...] Depois foi até a cama e enquanto atravessava o quarto percebeu a luz que se filtrava pelas cortinas. Voltou e com uma das mãos procurou os cordões para abri-las, recordando como era matemático, embora por razões incompreensíveis, puxar sempre o cordão errado, aquele que abre quando você quer fechar e vice-versa. [...] Estava amanhecendo. Olhou o céu longínquo, clareado por uma luz ambígua, e não teve mais certeza de nada. [...] Havia aquela luz. Achou que era um convite, mas agora lhe parecia complicado entender se era dirigido também a ele. Olhou o relógio como se houvesse alguma probabilidade de encontrar ali uma resposta qualquer e não deduziu nada de útil, exceto a vaga impressão de que era uma hora errada para um monte de coisas.
 
   DOIS
   E de fato, naquela manhã de verão, a alvorada se espalhava pelo céu límpido com tal segurança que até aqueles subúrbios sem ambições pareciam apanhados de surpresa, acabando por ceder a uma quase beleza para a qual não tinham sido construídos. Havia reflexos otimistas nas janelas, e a pouca grama brilhava, onde havia, com um verde inesperado. Passavam carros, raros, e até eles pareciam ter suspendido qualquer pressa especial, como se estivessem atravessando uma trégua.
 
   TRÊS  
   E, de fato, do horizonte havia subido uma luz cristalina para reacender as coisas e repor o tempo em movimento. Talvez fosse o reflexo sobre o mar, distante, mas havia algo de metálico no ar que nem todas as alvoradas têm, e a mulher pensou que isso a ajudaria a permanecer lúcida, e calma. [...] Aquela luz a ajudava. [...] Agora dirigir era mais fácil, e nem mesmo o fato de estar havia horas ao volante lhe pesava mais. [...]
   [...] Olhava aquela casa, diante de si, e pensava na misteriosa permanência das coisas na corrente sempre movediça da vida. Estava pensando que a cada vez, vivendo com elas, acaba-se por deixar-lhes em cima como que uma leve mão de tinta, a cor de certas emoções destinadas a desbotar, sob o sol, em lembranças.
 
 
 

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