Li em duas sentadas esse romance do Tammuz. Desses que a gente lamenta chegar ao fim. Mas dá um prazer que se alonga por muito tempo após o livro fechado. E que permanece em nós maturando reflexões sobre a capacidade humana de amar, de se enganar, de urdir armadilhas inescapáveis para si mesmo. Lembrei-me de "Museu da inocência", do Pamuk, narrativas que se aproximam pelo vetor obsessão amorosa. Ah, mas tão díspares...
Um homem maduro julga ter encontrado a mulher por quem sempre sonhou encarnada numa adolescente de 17 anos. Está a trabalho num país estrangeiro. Por conta de sua profissão, logo se informa sobre a moça e passa a lhe enviar cartas. Sedutoras, amorosas, misteriosas. A moça cede ao jogo, propõe aproximações, sempre evitadas pelo homem, que ora some, ora ressurge em novas cartas. Daí, com o tempero do tempo, as situações dramáticas se sucedem.
O homem é agente secreto israelense. Tammuz traz para o romance um resumo do que foram os embates entre árabes e judeus no território da Palestina e suas colônias por boa parte do século passado. Nada simplificado. Mais para caleidoscópio. Dois dos homens que a desejada moça, não por acaso chamada Téa, são produtos de somas genéticas e culturais do Oriente com o Ocidente, modelos de homens planetários, embora comprometidos com propósitos nacionais. Um possui vários passaportes diferentes, outro defende uma civilização mediterrânea, ambos falam várias línguas - seres ampliados em sua condição natural.
Agradou-me especialmente o destemor de Tammuz com a repetição, não só de informações mas de trechos integrais da narrativa. Um recurso da poesia utilizado na prosa, sem economias, que funciona com um peso dramático surpreendente. Talvez eu o leia novamente, antes de devolver o exemplar ao mestre Ruy Espinheira Filho, que mo emprestou.
Trechos: "Então, ele aguardou o momento em que ela voltasse o perfil para a amiga e, quando isso aconteceu e ele viu os traços do rosto da garota, sua boca se abriu como se ele estivesse prestes a soltar um grito, que, contudo, ficou reprimido. Ou será que o grito escapou de sua boca? De qualquer forma, os passageiros não reagiram." [...]
"Não sei por que eu achava que, antes de encontrá-la, receberia algum aviso prévio. De todo modo, nunca imaginei que seria pego de surpresa. Mas fui. Eu a vi de repente, sentando-se na minha frente no ônibus. Não tive dificuldade nenhuma em reconhecê-la. Quando ela desceu, eu a segui.[...] A pele e a tez do seu rosto eram como eu os recordava: muito claros, como os de minha mãe, com um rosado que ficava mais profundo, sem qualquer marca e sem pressa, na direção das maçãs do rosto, tão gradualmente a ponto de não ser possível dizer onde a brancura acabava e onde começava o rosado. Mas sua boca era de um repentino rubro brilhante. E aqueles dentes. Meu Deus! Não é possível que tivessem sido criados apenas para mastigar comida. Se assim fosse, eu diria que não era necessário um esforço tão grande."
Minotauro, Benjamin Tammuz, tradução de Nancy Rozenchan, editora Rádio Londres, 2016, 2a. edição.
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